Naquele tempo também tinha fake news
Nando da Costa Lima
O
sol estava lascando, não tinha nada verde… Mesmo assim Ariel do Jornal não
deixou de arrear a mula naquele sol de meio dia da caatinga. Ele era um homem
que fazia de tudo pra ser o primeiro a dar notícias através de seu semanário
que era lido em várias cidades vizinhas. Tinha o pessoal do contra que falava
que só quem lia “aquela merda” eram os parentes. Mas ele não se abalava com as
críticas, não seriam aqueles analfabetos que iriam lhe deixar pra baixo. Ele
exercia a profissão de jornalista a duras penas, naquele tempo tinha que ser
médico ou advogado (mais ou menos como é hoje). Dessa vez ele estava até sem
graça pra fazer aquela entrevista tão invasiva com um homem que ele tinha como
pai. Mas como ele mesmo disse para a mãe:
— São os ossos do ofício, é melhor
eu dar a notícia pro padrinho. Se deixar o pessoal da capital vai levar na
brincadeira, a senhora sabe que depois que madrinha Maristele fugiu ele ficou
meio variado.
— Você devia deixar isso pra lá, meu
filho. Esse negócio de jornalismo nunca te deu nada… E eu que passei cinco anos
lavando roupa pensando que ia receber um dotô, é verdade!
— Peraí, mainha. Não precisa
esculhambar tanto, já basta os invejosos.
Quando
o jornalista Ariel chegou na casa do seu padrinho Virginildo do Brejão, tentou
logo despistar, o homem não podia notar que ele estava querendo uma entrevista.
— Como é que está Anabelina, minha
prima…
— Escuta aqui, Ariel. Você está aqui
como meu afilhado, filho do finado Hermoge, ou é coisa de jornalista safado
querendo inventar história pra vender jornal? Todo mundo já sabe que sua prima
emprenhou não se sabe de quem. Foi tanto rapaz que fugiu pra Sompaulo que nem
ela sabe quem era o pai. Se é sobre isso que você quer escrever, tá perdendo
seu tempo, é melhor ir embora. Fale com a senhora sua mãe que eu estou mandando
esses abacates e vê se some. E tira essa doideira de jornalismo da cabeça, para
com essa bobagem de querer saber tudo. Pega uma enxada e planta pelo menos uma
quadra de mandioca.
— O padrinho tá me achando com cara
de porteiro de xoxota? Eu tô lá querendo saber pra quem a prima deu. O senhor
tá muito enganado, eu tô aqui pra propor ao senhor uma entrevista que pode até
virar filme. O senhor é o cara!
— Mas eu vou virar filme por que? Eu
nunca fiz nada de diferente na minha vida. Eu sou um homem de rotina.
— Ué, padrinho. E aquelas três
semanas que o senhor passou na casa do rezador Pai Pedronildo Reza Braba?
Parece que ele deu um jeito, o senhor ficou bonzinho. Só não sei o que o senhor
tinha, eu era muito pequeno.
— E por que você vem com essa
história agora? Por que não perguntou a sua mãe? Ela foi na comitiva.
— Eu tô falando isso porque aquele
homem que curou o senhor tá preso.
— Por que? O homem era tido como
santo, já curou tanta gente, eu sou uma prova viva. Por que foi mesmo que
prenderam ele? Atropelou alguém? Ficou sem pagar pensão?
— Eu sabia que o senhor não tinha
conhecimento da história do rezador. Ele tá lascado, padrinho. Tem mais de dez
processos contra ele, todo mundo fazendo a mesma queixa. Era só se consultar
com o rezador que ele tentava abusar.
— Abusar como, afilhado? Tá doido!
— Não, padrinho. Eu só estou aqui
pro senhor me explicar como foi esse tratamento. Todo mundo que fez saiu
falando que era só ficar de costas pra Pedrão Rezador que ele tentava abusar…
— Vai tomar no rabo, Ariel. Tá
pensando que meu revólver não mata afilhado? Cê acha que eu ia deixar algum
pirobo com a mão boba me atacar? Tá com vontade de tomar um tiro nas fuça?
— Calma, padrinho. Eu só disse isso
porque mãe falou que o senhor ficou internado uma semana na roça de Pai
Pedronildo. Ele já virou até piada, o pessoal da venda tá falando que ele
recebe o caboclo “Pega na ré”.
— Fiquei mesmo. Meu corpo tava muito
carregado e ele mandou eu lascar um caminhão de lenha pra aliviar, espírito
ruim não para no ombro de trabalhador. A operação mesmo, não durou uma hora
praquele santo me curar da enxaqueca crônica. Eu não senti nada na hora, mas
como o próprio Pedrão falou, todo mundo que operava com ele ficava sofrendo de
hemorroida, mas que o tempo curava. Sua mãe sabe de tudo, ela também se tratou.
Aí
o afilhado jornalista, que era daqueles que preferia perder o amigo a deixar a
notícia passar, comentou:
— Tá bom, padrinho. Eu vou contar a
sua história com o sobrenatural de uma maneira bem comovente. Todo mundo vai
ficar sabendo que o senhor foi o único cliente que o rezador Pedronildo “Pega
na ré” não abusou, só tentou! E que o senhor está disposto a fazer o teste da
farinha pra provar…
— Pois então você pega sua mãe e
leva pra fazer esse teste. Onde é que tá o respeito, seu filho duma égua?
Aí
seu Virginildo do Brejão perdeu as estribeiras. Ficou tão retado que passou a
mão numa tranca da porta e deu uma surra no afilhado, só não matou porque
pegava mal sujar a ficha por causa dum porra daquele. Nem doutor o sacana era.
Repórter!
Quando
Ariel saiu da casa do padrinho, tava todo quebrado… Mesmo assim, não perdeu a
pose. Colocou a camisa pra dentro, desamassou o chapéu e ajeitou o nó da
gravata antes de montar na mula. Ele não escreveu nada contra o padrinho, fez
questão de estampar na primeira página do jornal especial de domingo: Virginildo do Brejão, meu padrinho, e dona
Eleutéria, minha mãe, foram os únicos pacientes que não foram abusados pelo
curador Pedrão, vulgo “Pega na ré”. Coisa de jornalismo....
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