Paletó de aluguel
Nando
da Costa Lima
Pastor
Ariovaldo saiu corrido, nem a mala pegou! Estava devendo uma nota alta pro dono
da boate, restaurante, casa de jogo e hotel “Boa Sorte”. Era o ponto ideal para
quem gostava da noite, e Ariovaldo usava todos os serviços da boate-hotel. Mas
foi o jogo que complicou sua vida, tava devendo muito dinheiro pro dono do
lugar. Salustiano emprestava o dinheiro pra qualquer um, mas se atrasasse o
pagamento, tava fudido. Depois que ele ficava enraivado, não aceitava nem o
pagamento. Só sossegava depois que descarregava o canela seca no filho da puta
que o enrolou. Não perdoava ninguém: nem dotô, nem padre, nem pastor, e muito
menos parente ou pai de santo... Parece até que ele gostava de levar calote só
pra dar uns tiros num sacana.
O
pastor foi sabido, fugiu logo depois que “quebrou” na mesa de vinte e um.
Perdeu pro próprio agiota e dono do recinto! Ariovaldo nem foi pro quarto, saiu
do jogo direto pro ponto de apoio da Etimisa, ia entrar no primeiro ônibus.
Tinha guardado um relógio “lanco modelo onze” já pra vender numa hora de
aperto. Não era muito dinheiro, mas dava pra ele escapulir. Se ficasse, perdia
a vida. Salustiano não perdoava nem a mãe.Apesar de ficar muito retado, Ele era um homem experiente, sabia que a grana de Ariovaldo tava
curta, não dava pra fugir pra muito longe.
E
ele tinha razão. Não demorou muito e um fuxiquento chegou com a notícia na
ponta da língua: o pastor estava morando numa cidade perto de Conquista.
Salustiano, já premeditando, tirou a descarga da rural para que o barulho
abafasse os pipocos do canela seca. Estacionou na frente da casa em que
funcionava a igreja, ligou o farol alto pra dentro da igreja, para que ninguém
enxergasse, e meteu bala em Ariovaldo Pastor, descarregou o 38.
Parecia
que tudo tinha dado certo, foi bem planejado. Nem ficou pra conferir se o homem
tinha virado defunto. Ele viu o pastor levar a mão no peito, gritar alguma
coisa e cair morto. O barulho do carro não deixou que os fiéis escutassem os
tiros, e a claridade do farol alto deu a impressão de que era a “luz no fim do
túnel”. Para eles, ficou parecendo que o pastor teve uma visão e caiu morto.
“Deve ter ido direto pro Céu”. Foi assim que a história do pastor que teve uma
visão no meio do culto e partiu dali mesmo, em frente aos fiéis, se espalhou
caatinga adentro. O caso ficou tão conhecido que os irmãos resolveram guardar o
paletó do pastor Ariovaldo, já tinham quase certeza que o traje era especial.
Por isso botaram o paletó em exposição na igreja, era um terno azul claro
quadriculado. Depois que Raimundo Gago curou a bronquite numa visita, o povo da
cidade começou a fazer fila na porta da igreja pra poder ver a relíquia dita
santa e que agora era milagreira. Com o tempo começou a romaria, vinha gente de
todo o Brasil, até a comitiva de poetas de Poções veio prestigiar e se inspirar
naquele objeto místico que tinha curado não só a bronquite, mas também a
gagueira de Raimundo Gago. Bastou ele vestir o paletó e dar uma volta que ficou
tudo bem.
O
terno acabou dividindo os fiéis da igreja “Guarda meu lugar no Céu”. É que
tinha um grupo que queria o terno sempre em exposição na igreja, já a turma do
contra queria que se cortasse o terno e vendesse as tiras de 3 cm pros fiéis.
Quem não gostaria de ter uma relíquia “sagrada” daquela qualidade? Mas um dia a
festa acabou. Um pastor se deslocou de São Paulo para ver o que estava
acontecendo. Quando contaram a história do Paletó Milagreiro, o homem ficou uma
fera. Falou que aquilo era uma blasfêmia, eles estavam “adorando” um paletó.
Chamou os fiéis e deu uma bronca em conjunto, depois fez um sermão de duas
horas. Quando o povo já tava cochilando, ele pegou o terno na cristaleira que
servia de mostruário e levou pra incinerar em São Paulo, isso só podia ser
feito pela alta cúpula da igreja.
O
tempo passou e nunca mais se ouviu falar do Paletó Milagreiro. O pastor
paulistano que recolheu a relíquia, quando apareceu já foi como deputado
federal... E muita gente jura que o terno usado por ele na posse era o Paletó
Milagreiro. Depois que pesquisaram direito, ficou provado que aquele terno
tinha sido usado em posses de prefeitos, deputados e senadores de todo o
Brasil... Vereador não tinha caixa pra alugar a relíquia.
Os
verdadeiros donos do paletó sagrado não puderam fazer nada pra incriminar o
ex-pastor que sequestrou uma relíquia dita milagreira pra se eleger deputado. O
amuleto não podia ser lavado pra não perder as energias positivas... Tava tão
seboso que um político, ao ser escolhido para um cargo do 1º escalão, se
recusou a usá-lo... A esposa alugou o terno sem ele saber. Acabou dando tudo
errado pra ele. Bem feito! Quem mandou ser nojento? Perdeu um empregão... Sem
falar da cara fechada da mulher, que vendeu uma fazenda para alugar o paletó
milagreiro.
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