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terça-feira, 11 de junho de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO

Drª. Cate (Um causo médico)

Nando da Costa Lima
Eleutério entrou como um doido no pronto-socorro, tava sentindo um aperto no bucho que tirou ele do sério (isso sem falar da cachaça). Chegou perguntando onde encontrava “Dotora” Cate, só servia ela. Os enfermeiros e atendentes ficaram sem saber o que fazer, ninguém encontrava essa tal doutora. Ficaram todos nervosos, os seguranças estavam ocupados e Eleutério tava armado e com a camisa aberta. Segundo ele o bucho tava pra explodir. Só a Dr.ª pra dar jeito, não servia outro médico. Eles tinham que dar um jeito! Chamaram vários médicos, mas ele só queria  a “dotora” milagreira.
— Mas porque isso, o senhor devia confiar nos nossos médicos de plantão, são todos capacitados. Por que essa teimosia? E se a gente não encontrar a doutora, você quer morrer?
— Se não for ela, eu vou morrer do mesmo jeito. Só ela dá jeito. Teve uns três amigos meus que saíram novinhos graças a ela.
— O senhor tem certeza de que foi nesse hospital?
— Claro! Ela trabalha aqui e em mais uns dois hospitais particulares.
— Mas aqui também atende pelo SUS.
— SUS? Não é possível! Então eu vou pra um hospital que atenda particular. Meu plano é cinco estrelas, qualquer médico aceita.
— Mas Seu Eleutério, nós já rodamos o hospital todo atrás dessa doutora e nada… Tem Dr.ª Catarina que os amigos chamam de Dr.ª Cate, e tem mais uns dois médicos com esse apelido…
— Mas só que a Dr.ª Cate que eu tô procurando não é apelido.
— Então o senhor vai ter que procurar em outro hospital, aqui não tem ninguém com esse nome.
— Esse hospital só tem enfermeiro? Será possível uma coisa dessas! Garanto que se tivesse uma enfermeira aqui, ela acharia a dotora.
— Rapaz, o senhor bebeu, eu já disse que aqui não tem ninguém com esse nome.
— E se eu bebi, é de sua conta? Eu tô aqui pra ser tratado, você não tem nada que fazer pergunta da minha vida particular. Se a dotora tivesse aqui, já teria resolvido.
          Os enfermeiros e atendentes acharam melhor chamar um enfermeira da área da psicologia pra atender o paciente que a cada minuto ficava mais nervoso. A técnica em enfermagem chegou tentando cuidar do paciente. Pediu calma e começou os procedimentos: mediu a temperatura e fez tudo o que se faz num ambulatório. Ele só concordou porque a enfermeira disse que assim que verificasse seu estado, daria um jeito de achar a médica. Era só ligar nas clínicas particulares que logo a encontraria. Só assim ele se acalmou e ficou deitado na maca enquanto era examinado. O pessoal tava todo apavorado, o homem tava com duas armas na cintura. Tinham que fazer as vontades pra evitar o pior. A enfermeira quis saber o que ele tinha comido, e Eleutério disse que tinha saído de um almoço de batizado. Tinha comido uma buchada completa e uma banda de melancia. Na hora de arrotar, cadê o arroto???
— Por isso que eu tô aqui, dá pra senhora ver que a minha barriga tá inchada.
Aí a enfermeira mandou ele relaxar e começou a medir a pressão, ele já tava com um revólver na mão na hora da aferição… A moça quando viu que o plano de saúde dele era cinco estrelas, achou que com aquela pressão o jeito era fazer um “Cate”. Quando ele ouviu o nome, relaxou por completo, e elogiou a enfermeira que mandou chamar Dr.ª Cate. Aí a enfermeira explicou que esse procedimento se faz quando há ameaça de infarto.
— O plano do senhor cobre, eu já convoquei toda a equipe pro procedimento…
          E assim foi feito. Bastava ele tomar um sal de frutas que ficava tudo resolvido. Mas devido à pressão 13 por 8 (normal) e à insistência do paciente (e por o plano de saúde ser muito bom), a equipe se prontificou a realizar o cateterismo em Eleutério… Só depois do procedimento feito é que explicaram pra ele que “Cate” era um jeito carinhoso de se chamar “cateterismo” sem assustar o paciente… Mas isso só acontece se você tiver dinheiro pra bancar um plano cinco estrelas ou pra pagar o procedimento à vista. Mas aí Eleutério se retou:
— Como é que eu chego aqui com uma dor na barriga e vocês me enfiam um desentupidor de veia? Isso é roubo! Vou chamar a polícia! Cambada de interesseiros, se fosse pelo SUS nada disso teria acontecido. Eu pensei que Cate fosse uma dotora, porque todo mundo que eu conheço e tem um plano igual ao meu passou por essa tal de Cate. Agora eu tô ligando as coisas: Zé Pedro tava com um calo seco, João Neto tava gripado, Erneusita tava com enxaqueca e eu tava mal do estômago…
          Mas aí os seguranças já tinham chegado. Estavam amarrando um senhor violento que não queria saber de “Cate”. Eles imobilizaram Eleutério na maca, mas mesmo amarrado ele continuou gritando:
— Todos nós, ou pagamos à vista ou temos um bom plano… Cambada de enganadores, tô com a virilha toda roxa. Vou processar todo mundo, inclusive as enfermeiras que mal olham pra gente e já dão o diagnóstico antes do médico. Elas primeiro veem se o plano é bom ou se a consulta vai ser paga em dinheiro! Se for esse o caso, o cidadão tá lascado! Não sai do hospital sem fazer um cateterismo, ou “Cate”, como queira.
          A prática do cateterismo talvez seja a campeã de lucro nos pronto-socorros da vida. Tem até “dotô” que já faz o “Cate” no escuro. Também, com tanto treinamento! Portanto, se você tem um bom plano de saúde ou vai fazer uma consulta particular, fique de orelha em pé. Se algum médico ou enfermeira sorridente falar que vai ter que fazer um “Cate”, pode levantar da maca e sair correndo… Palavra de escoteiro!
Não é brincadeira, não. Faça o teste: chegue no hospital com dor de cabeça e fale que a consulta é particular. Logo logo você vai escutar o termo “Cate”… Eu tenho um amigo que bebe muito, e toda vez que entra em coma alcoólico já acorda com uma enfermeira falando que o “Cate” foi um sucesso! Já fez mais de oito. Também, quem mandou ser rico? Cê tá pensando que é exagero? Tem até um bolão de aposta entre os funcionários dos hospitais: quem acertar o nome do doutor que fizer mais “Cates” no mês leva a bolada.
É isso, tem médico voltado às ciências médicas, esses cursam porque já têm o dom. Mas tem outros que fazem “Merdicina”, esses são voltados exclusivamente para o dinheiro… É uma pena.
E a medicina atual anda a cada dia mais especializada em lesar em vez de curar… É triste! Pobre morre por falta de atendimento, e rico por excesso.
P.S. Não podemos radicalizar: é claro que pelo menos 2% desses procedimentos são feitos por necessidade.

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