E na mente veio imagens lá do fundo do baú, sem saudades, sem
rancores, só imagens… Só o tempo mostrando que só ele permanece.
Imagens! O passado ganha formas e o pensamento viaja num universo que
jamais irá voltar. E nos blocos de carnaval ainda existiam caretas,
pierrôs e colombinas… Minha cabeça girava, naquele momento tudo era passado… Eu senti falta
até da rua das sete casas… Se você nasceu ou mora aqui em Conquista há
mais de 50 anos, você deve se lembrar… Jardim das Borboletas, Cidade
dos Pássaros, os balanços do parque infantil, acarajé de Olerino, “Zé da
baiana”, “Cafézinho” sempre sujo com uma caneca na mão. Os táxis de
Juca Fone, Daguimar e Vitório esperando os raros clientes, do Carrascão.
Adão, o monarquista, com sua enorme barba branca, xingando alguém. Bar
Pinguim, o picolé de coco do Lindoya. A Rádio Clube de Conquista. J.
Menezes. O dia que passou “Deus como te amo” no Cine Ritz. O programa
alegria dos bairros, o “Magassapo”, a “Mamoneira”, Rosa Bigode, de
Bandola com sua guitarra desafinada, os jogos no estádio Edvaldo Flores
do Humaitá, do Conquista de Piolho e Naldo. O motel Baú, o Carrascão. O
ponto de ônibus que ficava em frente ao hotel Albatroz. Da “Chimarrita”,
da lanchonete “Chopp 70”, do sobrado de Nestor, do Bloco dos Caçadores,
uma das coisas mais sem graça que se tem notícia. Era um bando de
bêbados cantando “Ô, leva eu” em cima de um caminhão velho. De Paulina a
poetisa… do lutador Fidelão, do Beco da Tesoura quando só tinha
alfaiate, do Natal na alameda Ramiro Santos, da loja de João Couto. Do
jegue “Pilera”, do sofá em forma de bolo do Cine Glória, da sorveteria
“Riachuelo”, de Márcia Galvão fantasiada de Cleópatra, do “Gato Preto”,
da “Fonte Luminosa”, do “Açudão”, das primeiras “catanicas” (ônibus
coletivo). Do campo do “cobói”, do caruru de Zé Carote, da farmácia Lia,
da oficina do mestre Aurino. Do carnaval no Clube Social, da “Boate
Lago Azul”. De Geraldinho cabelereiro penteando as chics da cidade, de
Zé Pedral no dia que foi solto. Do italiano Julio que vendia pizza numa
Kombi. Da veia da Rua do Gancho. De Carcará comprando ferro velho. E
tanta coisa que o tempo já comeu, vem tudo de vez. Cabeça de doido é
dose! Se você se lembra de tudo ou quase tudo que acabei de citar, você
realmente viveu em Conquista. Se você se lembra de pouca coisa, você só
morou em Conquista. Mas se você não se lembra de nada do que foi dito: o
que é que você estava fazendo aqui esse tempo todo???
Sei que me esqueci de muita coisa e de muita figura pitoresca, é a
memória que já começa a falhar… Mas juro que vivi Conquista, hoje só
moro ou talvez me esconda… Sei lá… Acho que o tempo já ocupou o espaço a
mim destinado aqui na terra do frio. Corri tanto que me cansei cedo…
Muito cedo. Meus preconceitos, meus medos, meus sonhos… Tudo ficou lá
atrás… Cine El Dorado, Shangrilá, Jota Menezes… Tudo na mesma hora,
infância, juventude, meia idade, “velhice”, saudade… E esta porra de
tempo que não cansa de passar. Parece uma borracha na mão de um menino
querendo apagar tudo que foi escrito com lápis no caderno velho pra
escrever o agora com caneta esferográfica. Praça do
jenipapo, Jeep atolado, bloco das Pistoleiras. Tudo apagado, tudo é
passado. Um lança perfume rodouro exalando no salão da memória dos
velhos carnavais. O tempo me enganou… Pôs em xeque minha cabeça e levou
parte da alegria que a vida me apresentou. Rasgou minha fantasia de um
dia morrer de amar. Para Maria Luisa
Cordeiro, que é do tempo que o Hotel Albatroz tinha salão de festas e que homem
bonito era chamado de PÃO.
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