O MEDIDOR
Nando da Costa Lima
Cláudio era perito em
necropsia, segundo ele, o melhor que a cidade já teve, o único que tinha feito
o curso completo (por correspondência). Mas nos botecos da cidade, por mais que
ele tentasse explicar que era um dos mais brilhantes especialistas em
necropsia, os colegas de copo arranjaram logo um nome que não precisasse dobrar
a língua pra referir-se ao amigo. No início se retava com o apelido mas logo
acabou aderindo... Claudão Defunteiro era um bom técnico, e tinha orgulho de já
ter vendido mais de dez mil caixões na região, só que às vezes exagerava na Jurubeba
Leão do Norte e acabava dando alguns pequenos vacilos..., mas isso só acontecia
quando misturava com outras bebidas, coisas que acontecem com qualquer
profissional! Principalmente se for admirador da água que pinto não bebe.
Uma das suas grandes “pisadas na bola”
foi no dia do aniversário do avô de sua noiva, aquele erro quase mata o defunteiro
de depressão... Claudão como “quase parente” foi um dos primeiros a comparecer.
No almoço correu tudo às mil maravilhas, o pior aconteceu na hora dos
digestivos... É que ele depois de tomar um litro e meio de fedegoso chamou o
avô da noiva e o presenteou com um cartão da funerária que representava, e pra
completar ainda ofereceu um desconto de 20% num caixão de luxo pro velho! Este
teve uma crise de falta de ar que só foi superada depois que alguns convidados
arremessaram o defunteiro pela janela... E lá de fora ele ainda acrescentou:
“Vocês são muito mal-educados, não deixaram nem eu falar que o desconto de 20%
é válido pra família toda. Bando de ignorantes. Quem não quer saber de
casamento agora sou eu. Foi um dia triste
para Claudão, dançou até na noiva.
Outro grande vacilo do defunteiro
aconteceu quando ele estava de plantão. Tava um paradeiro retado e nosso amigo
nessas horas aproveitava pra tomar todas, quando o telefone tocou avisando que
tinha um defunto em tal endereço. Claudão mesmo estando “completamente lavado
de pinga” não perdeu tempo... Se mandou para o endereço do referido presunto, a
concorrência tava tão “braba” que ele já desceu com a fita métrica na mão e
entrou porta adentro. Desceu caindo, quase derruba a porta do homem, mas estava
aliviado, tinha chegado ao destino apesar de não estar se aguentando em pé.
Pegou a caderneta no bolso interno do paletó e passou mais de meia hora medindo
o defunto e anotando para não haver erros. Só parou com a medição quando uma
senhora bateu em seu ombro e perguntou se ele era o carpinteiro que o marido
tinha chamado pra fazer alguns reparos. Claudão, apesar da voz enrolando,
explicou que estava ali a serviço da funerária. Aí a dita senhora o pegou pelo
braço, levou-o até a rua, apontou pra casa em frente e disse para o defunteiro
alcoolizado: “O defunto é ali no vizinho, aquilo que o senhor estava medindo
era um tapete que a empregada enrolou e colocou em cima do sofá pra poder
encerar a casa...” E pra seu governo, já tem mais de dez agentes funerários
disputando o funeral, tem gente até de Itabuna querendo vender caixão... O
defunto é riquíssimo... E pra seu bem, pare de beber cachaça e aprenda que
quando se trata de rico você tem que chegar quando o candidato a defunto ainda
está vivo”. Claudão sacudiu a cabeça tentando espantar o álcool, olhou para a
senhora sem perder a pose de ‘necropsista’, meteu a mão nos bolsos pra se
equilibrar e tentou se desculpar com a senhora: “Muito obrigado pelo conselho,
madame, a senhora me desculpe pelo fora, mas se a senhora quiser enterrar
aquele tapete velho eu faço um precinho bem camarada...“ Dona Rosália pegou o
bebum pelo colarinho e o botou no lugar que merecia. “Tapete velho é o seu
rabo, aquela obra-prima quem me deu foi dona Rosa Bigode no tempo que ‘brega’
era lugar um de respeito. Amanhã mesmo eu vou acrescentar no meu testamento que
caso eu morra de repente não aceito em hipótese alguma os serviços do Sr.
Cláudio Defunteiro em hipótese alguma.”
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