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domingo, 10 de dezembro de 2017

NANDO DA COSTA LIMA - CRÔNICA



À margem da história
Nando da Costa Lima
O povoado todo esperava a chegada do príncipe, era coisa rara um nobre visitar aquelas para­gens no início do século XIX. O vigário já não se aguentava, ia completar seis horas que não tomava uma, estava sóbrio até aquela hora, porque era o único que tinha formação pra receber uma figura tão ilustre. O príncipe atrasou 3 dias, quando chegou encontrou o pa­dre pisando na bainha da batina, tava tão bêbado que o Vossa Majestade demorou cinco minutos pra sair, quan­do saiu foi acompanhado por uma chuveirada de cuspe que lavou o rosto do visitante. “O bafo indicava que o vigário apreciava bebidas fortes". Em seguida convidou Vossa Alteza para fazer um bacanal com umas índiazinhas que ele criava — A realeza ficou indignada, recu­sou-se energicamente — O padre ficou meio sem graça, fechou a cara. Mas quando o príncipe, pra mostrar que estava irritado, colocou a mão na cintura e começou a bater o pé, o reverendo animou-se e olhando pra bunda do nobre falou com cara de vitorioso — Se o caso de Vossa Alteza é outro não tem problema, eu também tenho um "indião" só pra pagiar europeu em excursão. Aquilo foi o fim para o nobre visitante, nem quis ficar hospedado na casa daquele tarado, ficou tão nervoso que fez uma carta pro governador esculhanbando com o pa­dre, aqueles não eram modos de receber um estudioso. O príncipe era biólogo, um amante da natureza, estava estudando a fauna, a flora e os costumes dos índios do sudoeste baiano. Como a primeira recepção não foi na­da agradável resolveu seguir viagem antes do tempo e acampar mais adiante. Andaram umas 40 léguas. O no­bre queria distância daquele cachaceiro degenerado, o religioso mais depravado que tinha conhecido na vida.
No Arraial da Conquista as coisas foram piores que suportar a cachaça do vigário do Povoado de Poções. Só tinha desocupados espalhados pela única rua, era impressionante a quantidade de butecos, devia ter um para cada habitante. Quando o príncipe atravessou a rua grande, se abanando com um leque de penas de arara, mais de dez passaram a mão em seu trasei­ro. Se sua guarda não interferisse ele teria sido atacado ali mesmo. Conseguiram tirar a realeza das mãos dos tarados e levaram-no pra uma fazenda nas proximidades do arraial, estas eram habitadas por pessoas educadas, só tinha gente boa, ele podia ficar à vontade que todos iam entender que era coisa de estrangeiro. Apro­veitou esse momento de tranquilidade e recomeçou seus estudos, catalogou milhares de espécies desconhecidas, estava encantado com a região. Com o tempo ficou co­nhecido por todos os índios que ocupavam as matas, ca­da tribo tinha um jeito carinhoso de se dirigir a sua alte­za. Os Mongoiós, os mais poéticos da selva, chamavam-no de "Borboleta do Além Mar", os Imborés só o co­nheciam por ''Franga Selvagem'', os Pataxós denoninaram-no de "Flor de Urucum". Os Botocudos, os mais selvagens da região conheciam-no por "Cú de Mel”. Ele fez amizade até com os arruaceiros da rua Grande, como seu nome era difícil de pronunciar, eles apelida­ram-no de "Fruita das Oropa".
O príncipe deu grande contribuição aos estudos de nossa fauna e flora, escreveu até um livro. Voltou para sua terra morrendo de saudade, partiu cheio de boas re­cordações, tinha se acostumado com o povo da terra, chorou muito na despedida. Ficou tão apaixonado por nossa terra e por nossa gente que só foi embora depois que encontrou uma solução prática para aliviar sua sau­dade: levou um índio Botucudo pra morar com ele na Europa...

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