O seu
sorriso me cegou
Nando da Costa Lima
No dia em
que Cremildo “Boca Mole” declarou sua paixão pra Marionete no meio da praça, no
aniversário da cidade, jamais imaginou que ela teria aquela reação: primeiro,
teve uma crise de tosse que acabou engasgando; em seguida, desmaiou... Ele
ficou apavorado.Guardou o anel de compromisso no bolso do paletó e foi socorrer
a futuranoiva, aquele desmaio só podia ser um “Sim”!Pensou errado! Assim que
recuperou os sentidos, esculhambou com Cremildo. Mandou ele ir procurar o lugar
dele, ela já tinha sido Miss Primavera em mais de dez cidades e não estava a perigo pra aceitar pedido de
qualquer um. Quem tava em volta parou pra ver o “barraco”, ela acabou com a “raça”
do pobre do rapaz! Só que ninguém entendia porque aquela “perua coroa” tava
esnobando um rapaz educado e trabalhador (se Miss recebesse aposentadoria,
ainda ia). É claro que Cremildo não era essa “lindeza” toda, mas era bem
situado na vida e tinha uns 30 anos a menos que Marionete Miss. O pessoal não
entendia porque ela desprezou aquele partido, iria acabar sozinha. Já tava
pegando no tombo!Isso segundo o povo que estava assistindo a “lavagem de roupa
suja” em público.
Boca Mole,
mesmo estando apaixonadíssimo, não deixou de responder à altura.Quando
enfezava, ficava mais grosso que cano de passar tolete. Mandou ela calar a boca
aos gritos e ainda disse que era a “piriguete” mais rodada do Planalto da
Conquista. Aí Marionete rodou a baiana. Ficou mais de meia hora xingando,
esculhambou até a família do rapaz.Foi a maior baixaria. Cremildo, mesmo com o
coração partido, ficou tão retado que deu a lista dos nomesdos homens que ela
tinha namorado, só escapou o vigário... Ela rebateu com classe: “Você só
esqueceu de dar o nome do seu pai”. Aí o pessoal do “deixa-disso” se envolveu,
todo mundo falando a mesma coisa: “Deixa a família fora dessa ‘cachorrada’”. Então
os dois se tocaram, e foi cada um para o seu lado.
Cremildo
Boca Mole ficou tão envergonhado que se picou pra “Sompaulo”, aquilo lhe deixou
de calundu. Naquele tempo aindase usava pouco o termo “depressão”. Marionete
continuou na cidade, e de tanto pensar naquela briga logo no feriado do
aniversário da cidade, também ficou toda sem graça. Parou até de sair. Na
cidade já se comentava que ela estava ficando doida.
Dois anos se
passaram, e na mesma data do aniversário da cidade, Marionente e o
recém-chegado de “Sompaulo” Cremildo Boca Mole bateram de frente na praça. O
pessoal fez a rodinha já esperando o bate-boca. Ela tava toda produzida e, pra
espanto do pessoal, se atirou aos pés deCremildo e desabafou: “Me perdoa por
aquele dia, amor. Eu volto atrás e aceito o seu pedido”. Os espectadores já
estavam ensaiando uma salva de palmas quando ele pediu silêncio e falou em
“paulistês”: “Ô, meu. Quem gosta de coroa é rei”. Dessa vez ela não desmaiou, ficou
mais retada do que nunca. Leu a cartilha do palavrão de A a Z pro sacana metido
a merda. Procurou pelo chão alguma coisa pra arremessar na cara daquele bostinha.
Tentoutirar os sapatos pra usar como arma, mas aquela bota de cadarço daria
muito trabalho. Foi aí que teve a ideia que acabou causando aquele triste
acidente.Na falta de uma pedra pra jogar naquele safado, ela meteu a mão na
boca, tirou a dentadura e jogou na direção do rosto do “filho duma égua”. Por
obra do destino, a chapa de Marionenteacertou em cheio o olho esquerdo de Boca
Mole. O pessoal ficou apavorado quando viu aquilo. Pegaram o rapaz e lavaram
para o a casa de um “dotô” que retirou a dentadura que vazou o olho. Ficou
pendurada, parecia que ela tinha mordido. O médico estancou o sangue e falou
para os presentes: “Infelizmente, ele perdeu o olho esquerdo”.
Devido ao
ocorrido, Cremildo não retornou pra “Sampa”. Aproveitou o tempo que teria que
ficar em tratamento para compor umacanção e se inscrever no festival de música
que iria acontecer no Cine Conquista. Chegou até a ficar entre os dez primeiros.
Quem ganhou foi o cantor do Clube Social cantando “Nádia meu bem”, de Aroldão.Messias
cantor ficou em segundo lugar cantando “Até setembro”. Mas, para Marionete, a
melhor música foi a de Cremildo. Foi com aquela “belíssima” letra que eles se
aproximaram. Amúsica “Seu sorriso me cegou de amor” serviu para unir os dois,
que fizeram questão de casar no dia do aniversário da cidade só para calar a
boca dos fofoqueiros... E entraram na igreja ao som da composição pacificadora:
“Quando vi o seu
sorriso, vindo de encontro a mim, nem deu tempo de piscar...”.
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