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sábado, 24 de novembro de 2018

NANDO DA COSTA LIMA - CRÔNICA


Simpatia é coisa séria

Nando da Costa Lima 
 
Lucicler entrou porta adentro enfezada e procurando pela mãe. A velha tava retada, tinha tempo que queria falar umas “verdades” para a filha, que sempre chegava em casa se queixando da vida...
— Mamãe, eu estou numa meeerda.
— Minha filha, isso é jeito de chegar em casa... Isso atrai coisa ruim! Já basta seu noivo!
— Mas é a realidade, eu estou me sentindo a última das derradeiras.
— Você sabe o porquê, não é? Foi mexer com coisa errada.
— Claro que não, eu nunca fiz nada que não pudesse confessar...
— Ô minha filha, você tá caducando antes do tempo? Já esqueceu da simpatia pra pegar o merda do seu noivo?
— Que simpatia, mãe? Tá querendo botar mais “grilo” na minha cabeça?
— Aquela que Marileide de Averaldo Bom Cabelo lhe ensinou. Parece até que deu certo, você acabou se envolvendo com esse traste que se não fosse a minha aposentadoria, já teria morrido. E olha que ainda nem casou.
— A senhora não perde uma chance pra implicar com o pobre do Teodolino, meu noivo. E ainda tá no tempo de acreditar em simpatia? Que coisa mais “retrô”!
— Eu não, nunca acreditei nessas besteiras. Você que pra se aproximar desse imprestável faria qualquer coisa, foi a simpatia mais sebosa que já vi. 10 anos de noivado... Tenha paciência! E o pior é que ele praticamente mora aqui. O sacana não bate um prego numa barra de sabão. Só come.
— Eu não lembro de simpatia nenhuma, nós estávamos apaixonados. É claro que todo casal tem seus problemas. Nós vamos nos casar em breve, a senhora é quem mais vai sentir a nossa falta.
— O seu noivo é que é o problema. O homem colou igual visgo. Também, você professora e eu aposentada... Nem precisava de simpatia pra pegar aquele “come e dorme”.
— Mamãe, Teodolino faz seus bicos. Ele até tá juntando dinheiro pra comprar um táxi e depois abrir uma academia de dança. A senhora sabe muito bem que ele é professor de axé.
— Primeiro ele tem que aprender a dirigir, e com a cachaça que ele bebe, eu acho quase impossível. Dirigir bêbado tem uns irresponsáveis que conseguem. Mas um bêbado aprender a dirigir é muito difícil.
— A senhora é tão negativa, eu acho que é isso que tá me deixando numa merda. Eu só não fugi com o meu amor pra não deixar a senhora sozinha.
— Vocês não saem pra não pagar aluguel, nem feira. Se a preocupação é com a minha solidão, pode mudar hoje mesmo. Eu pago até o caminhão da mudança.
— Mamãe, a senhora tá me botando pra fora? Se papai fosse vivo, ele morreria novamente! Que mãe desnaturada.
— Seu pai morreu de pinga, gostava muito duma festa. Mas se ele ressuscitasse, morreria novamente por causa da cachaça, só que dessa vez beberia por raiva de ter um genro tão imprestável. O homem só trabalha uma vez por ano, “dançarino de axé” e compositor, onde já se viu isso!
— Não é assim não. Ele tem mais de 500 letras de música, só que nunca emplacou uma. Pra entrar nesse meio é difícil.
- Difícil é tirar a cachaça desse imprestável... Tá doido, vai chegando o fim do ano o homem parece que bebe dobrado. Até a minha jurubeba Leão do Norte, que eu uso como remédio, o corno bebeu.
— A senhora sabe que ele começa a ensaiar para dançar no Carnaval geralmente em novembro. São os ossos do ofício.
— Que ofício, minha filha? Cê acha que um homem beirando os 40, que só pensa em requebrar pra turista em Porto Seguro, tem algum futuro??? Um homem velho com emprego de adolescente.
— Eu não sabia que a senhora era tão ignorante. Ele nunca ficou rebolando pra turista, ele já dançou pras melhores bandas da Bahia... Pergunta pra qualquer artista famoso...
— Só você acredita naquele lenga-lenga. Como é que você não enxerga que aquilo é um inútil? Foi aquela “simpatia”, eu tenho quase certeza disso. Mas você “esqueceu” ...
— Que simpatia, mamãe. A senhora tá lembrando de coisa que nunca aconteceu, só imaginou! Nós agora somos religiosos, ou a senhora já esqueceu?
— Esqueci não, se estou lembrando é porque tava pensando em pedir pro pastor pra “desfazer” aquele trabalho seboso. Só de lembrar que eu participei daquela porcaria... eca!
— Agora já é trabalho, mamãe! O que o pastor Jaconias não vai pensar da gente?
— Ué, se aquilo não for trabalho... até um bode nós usamos pra costurar sua caçola na boca do bicho, e só abrimos no outro dia. Pena que o “bichinho” morreu! Também, usar uma roupa de baixo por um mês e socar na boca de um bicho inocente, tadinho... O pessoal da rua começou a lhe chamar de “Mata Bode”.
— Vamos parar por aí, mamãe. A simpatia tinha que ser feita com uma roupausada por um mês, eu não tenho culpa de o bode estar doente. A senhora viu que quando costuraram a boca ele só tava desmaiando.
— Não importa, minha filha. A realidade é que o bode morreu. Tá certo que Juvelino aproveitou a carne pra vender na feira, mas e a simpatia? Será que não é por isso que este filho da puta imprestável do seu noivo não desgruda? Eu não comi, mas você e aquela alma sebosa do seu noivo comeram do bode.
— E a senhora acha que eu vou ter cara pra falar uma asneira dessas pro pastor... Se a senhora fizer isso, eu vou sumir com o meu amor. Pastor Jaconias vai pensar que a gente é macumbeiro.
— Então você vai ter que sumir, porque eu já decidi. Só o pastor Jaconias pra dar um basta nisso, e além do mais ele é solteiro!
— Não, mamãe. É melhor procurar um “rezadô”... Lurdinha conhece um. Vai ver ele tira até a cachaça de Teolindo meu amor. Se a gente envolver o pastor nessa história, vão expulsar a gente da igreja.
— Aí tá meio difícil. Em se tratando do bode até que eu posso acreditar que ele dê um jeito, mas tirar a cachaça desse imprestável é impossível. Só se ele for milagreiro.
— Então vamos marcar pra sexta-feira que vem! A senhora arranja tudo?
            A velha ficou satisfeita e se prontificou para providenciar tudo. Mãe faz qualquer coisa por uma filha. Ela, religiosa praticante, se submeteu a procurar um pai de santo pra se livrar de um traste que vinha atrapalhando a vida da filha. E no dia que o rezadôNozão Gameleira marcou, elas foram. Coincidentemente, numa sexta-feira 13. Isso daria uma força para o caso ser resolvido... Mas, infelizmente, não foi bem assim. O rezadô, depois que escutou a história da simpatia narrada por mãe e filha, deu uma tragada no charuto, cuspiu no chão e falou em alto e bom som.
— Se o bode tivesse sobrevivido à simpatia e morresse de morte morrida, tudo bem! Eu tiraria o feitiço dando o banho de azeite de dendê com pipoca em vocês. Mas como o bode foi comido e virou adubo... Assim foi feito, assim será!
Aí mãe e filha perguntaram juntas:
— Assim como???
— Numa meeerda, minhas filhas, numa merda... Não tem reza que ajude! Onde já se viu comer oferenda de santo?

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