VIDA MADRASTA E SEM SENTIDO!
Ricardo De Benedictis
Ainda
jovem, deixou a casa dos pais no agreste nordestino e veio morar na
Bahia. Fugindo da seca que por mais de dez anos afligia os sertões,
trouxe um cavalo e dois burros carregando seus pertences pessoais, entre
eles, uma viola que gostava de dedilhar nas noites de luar em sua terra
natal.
Tomou a direção Sul, mas seu intento era tentar a vida em São Paulo, onde diziam que a prosperidade era constante e certa!
Ao
passar a noite numa fria cidade da Bahia, achou interessante o
movimento de pessoas e mercadorias, gado pastando pelos campos
verdejantes, muita água e uma boa organização urbana. Fez duas ou três
amizades , entre as quais conseguiu uma vaga de vaqueiro numa
propriedade rural. Foi seu início na nova região. Era bom de trabalho e
logo, logo, angariou a confiança dos patrões e dos novos amigos.
Sua
vida foi melhorando e ele conheceu uma bela moça com a qual se casou e
foi morar na periferia da cidade, em casa alugada. Os patrões
ajudaram-no doando fogão, sofá, cama e móveis de quarto e sala usados,
mas semi-novos, que muito ajudou na montagem da sua casa. A mulher do
patrão chamou a noiva e fez um enxoval razoável contendo peças de
tecidos para mesa e banho. E assim, pode realizar seu casamento, embora
bem próprio dos seus parcos recursos.
Alguns anos depois, já com
dois filhos, resolveu voltar às origens para ver seus pais, irmãos e
demais parentes. Teria que fazer tal viagem sozinho, tentando não
melindrar sua mulher, há muito adversária de tal aventura, por outro
lado, evitando despesas e contratempos. Voltou dirigindo um veículo a
gasolina e ao chegar ao destino levou um grande susto. Seus pais e tios
haviam morrido. Os irmãos, alguns parentes e amigos migraram para São
Paulo, buscando vida melhor. Sentiu-se um estranho no ninho! Até o Padre
e o professor da vila estavam mortos. Apenas oito anos se passaram e
parecia uma eternidade. Que barbaridade!
Foi ao cemitério e não
encontrou qualquer vestígio dos restos dos seus familiares. O coveiro
era um jovem recém chegado que não conhecia as famílias, enfim não havia
notícia que não fosse fúnebre e ‘por ouvir dizer’. Ah povo
desinformado, pensava, enquanto preparava-se para a volta.
Naquele
tempo, a idade média do homem da roça era de 40 anos. O pessoal morria
cedo. Ou picada de cobra ou malária, varíola, febre amarela!!! Triste
lembrança...
Pensava em sua mãe e em seu pai como num remoto
passado, apesar do pouco tempo. Como pode? – Pensava! Sentia remorsos
por ter ido embora e deixado a família e muitas vezes chorava
silenciosamente, principalmente ao deitar-se para dormir. Uma vez ou
outra sonhava com seus tempos de menino e por vezes acordava no meio da
noite procurando pelos irmãos até cair na realidade. Onde estariam?
Ao
chegar em casa, depois de desfazer a mala e dar alguns presentes às
crianças e à sua mulher, Rosário, ouviu-a sussurrando com a moça que
fazia faxina: - O Zeca ta muito estranho. Não quis me contar nada da sua
viagem. Ainda bem que não trouxe sua família, pai, mãe, irmãos... Já
pensou? E arrematou: Onde esses matutos do cafundó do Judas iriam se
arrumar aqui? De ignorância e burrice já estamos completos. Espero que
não venha me dizer que eles ainda virão morar aqui. Era só o que me
faltava!
Aquilo foi uma sentença fatal para o pobre Zeca,
desiludido e triste por nada ter encontrado da sua família. Bateu uma
desesperança!!!
Que mulher ele carregava ao seu lado...
Insensível, má e falsa. Nada havia dito sobre a família ainda, por não
ter encontrado clima adequado. Agora é que não diria mesmo!
O
casal mantinha um mercadinho que o sustentava. Era um negócio pequeno,
mas que dava para o gasto e nada lhes faltava. Ele e a mulher
revezavam-se nos afazeres domésticos e comerciais e tinham até
empregada! Há dois anos ele havia recebido uma indenização do tempo que
trabalhou na fazenda de Joca e resolvera empreender.
A mulher,
entretanto, não parecia nada feliz com a vida que levavam. Ela reclamava
muito e mostrava-se insatisfeita com a jornada dupla que a cansava.
Costumava dizer: - Ora, não temos tempo para nada! Quando vamos passar
uns dias na praia? Ele fazia ouvidos de mercador. Para quem veio do
Nordeste com uma mão na frente e outra atrás, o progresso tinha sido
grande, pensava com seus botões! Tinham que agradecer a Deus!
À
noite a mulher passou a cobrar uma história da sua viagem e ele relutou
em contar até que tiveram uma altercação. – Então não conte. Se pensa
que vai trazer seus parentes pra cá, está muito enganado. Eles entram
por uma porta e eu saio com as crianças pela outra!
Pronto. O
coração guerreiro do nordestino falou mais alto. Não dava para suportar
tanta indiferença com seus sentimentos. Planejou uma longa viagem para
São Paulo e logo que as crianças saíram de férias escolares, tratou de
arrumá-las e ... sem mais delongas, avisou a mulher que iria para São
Paulo no endereço de um dos irmãos que havia conseguido por sorte,
quando parecia que tudo estava perdido.
Foi e gostou. Na cidade
grande, passou a ganhar a vida como repentista nas rodas culturais do
centro, próximo à 25 de Março. Encontrou dois dos Três irmãos, já que o
mais velho havia morrido atropelado, casou-se com uma médica, formou os
dois filhos e nunca mais voltou àquela cidade fria da Bahia que o havia
acolhido tão bem.
A Rosário o encontrou em São Paulo. Veio ver os
filhos. Ao vê-lo, mostrou-se arrependida, mas levou só uma semana.
Voltou à sua cidade e esporadicamente os filhos iam visitá-la, sempre
com notícias de progresso da mãe, que havia se dado bem na vida e estava
morando num palacete.
O Zeca achava ótimo. - Assim ela não vai me aporrinhar e me deixa em paz. E a vida segue!
A vida é assim mesmo, sempre devemos procurar o nosso lugar, até encontrá-lo, de fato, se é que este lugar existe!
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