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sábado, 2 de fevereiro de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO

DOS ALICERCES

Nando da Costa Lima
Quando digo que nossa história é sublime, é “noves fora” este fato…
O encontro seria na venda de dona Maroca, era lá que ficava se sabendo de tudo que ocorria no vilarejo há pouco fundado. Tava um frio de lascar o cano, e a maioria dos fazendeiros estavam irritados com o sumiço das criações (galinha, bode, boi etc.), isso sem falar nas roças de milho e feijão. É que os índios que sobraram do combate na batalha e que ficaram morando nas redondezas da vila, quando não achavam caça fácil, se apoderavam dos animais pra não passarem fome. Só que isso irritou os donos de terra, naquela reunião eles achariam um jeito de dar um basta naquela situação.
As pessoas de maior influência na recém fundada vila estariam presentes. A maioria queria resolver a situação na força, mas um dos fazendeiros foi mais astucioso e convenceu os demais que era melhor eles se aproximarem dos índios que restaram para fazer uma suposta “amizade”, e depois que conseguissem a confiança dos selvícolas, convidariam-os para um banquete saudando a convivência pacífica entre os dois povos. A brilhante ideia chegou a ser aplaudida. As mulheres, principalmente, acharam que seria a forma mais exata, o convívio pacífico tornaria as coisas mais fáceis e, afinal, os verdadeiros donos das terras eram os índios. Só que o fazendeiro só contou o primeiro tempo do plano. Ele esperou as senhoras se retirarem e, com ar de general, explicou para os demais que ficaram pra escutar a segunda parte.  Aristarco Armagedônio era responsável pela segurança da vila… um tipo de delegado! A única coisa que sabia fazer era atirar bem. Esse episódio foi anos depois que os índios foram mortos ou expulsos do planalto. Os invasores se acostumaram com os que insistiram em ficar, uns até se tornaram cativos… Os mais arredios viviam nas matas, eram esses que às vezes davam trabalho. Por isso Armagedônio bolou esse plano pra deixar ele bem com pessoal. Ia poder passar o resto da vida sem fazer nada. Se tornaria o guardião oficial da vila.
— É o seguinte, nós sabemos que esses índios são como bicho. Acho que nem alma têm, tanto é que quando alguém abate um se refere como “uma peça”. Esses dias mesmo compadre Zé matou 3 peças, dois machos e uma fêmea. Pegou o “filhote”, pra comadre criar, mas pelo trabalho que tá dando… Não sei não! Então, meus amigos, meu plano é fazer uma mesa bem grande no centro da praça e encher de todo tipo de comida e muita cachaça. Vamos convidar todos os índios que sobraram nas redondezas pra participar desse banquete, eles vão pensar que vamos celebrar a paz entre nós e eles.
— Mas seu Armagedônio, e se alguém comer essas coisas envenenadas?
— É por isso que eu tô avisando, vocês têm que pegar as mulheres e as crianças e mandarem pras fazendas no dia do “banquete”.
— E o senhor acha que elas vão preparar a festa e deixar de participar?
— É só falar com padre pra rezar uma missa no campo em homenagem aos índios, e que pra isso seria necessária a presença das crianças e das mulheres pra dar mais força às orações. Se alguma reclamar, o marido resolve.
— É, seu Armagedônio. Pelo visto o senhor já tá com tudo programado na cabeça. Mas tem um problema: os índios que não comerem nem beberem não vão morrer envenenados.
— Por isso que as papo amarelo devem estar carregadas. Quem sobrar, nós cercamos e sentamos fogo. Não é pra ficar um, nem pra inspirar poeta!
E foi assim que pararam de sumir as criações dos fazendeiros e a vila recomeçou a “prosperar”. Mas é assim mesmo… Toda história tem manchas. E os índios foram enterrados no local onde foram abatidos… “Não podemos julgar os homens sem ter vivido sua época”. Essa frase livra a cara de muita coisa errada… História, estória, dá no mesmo! Há quem diga que foi genocídio, mas só um historiador pra explicar. Eu só sei que sete dias depois do extermínio, o vigário rezou uma missa no local do ocorrido. Não sei pra quê! Tem até quem defende que as ossadas dos índios mortos serviram como alicerce para a igreja… Vê se pode uma coisa dessas, falta de respeito com Nossa Senhora das Vitórias.

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