Discrição e Luxo
Nando da Costa
Lima
Seu Praxedes da
Kombi, como ficou conhecido, foi em São Paulo comprar uma kombi novinha. Achou
uma no jeito, da cor que ele queria! Azul e branco, era uma lindeza! Lá mesmo
ele mandou modificar o automóvel todo, queria dar um toque bem pessoal. Como
ele gostava de discrição, a primeira providência foi mandar colocar cortina
azul em todas as janelas do carro. Quando trouxe a kombi de “Sompaulo” pra sua
terra, o povo fazia roda em toda cidade que passava pra apreciar o veículo.
Ficou “luxo puro”. Foi o primeiro automóvel escritório familiar que muita gente
viu: ele tirou os bancos traseiros e parafusou duas poltronas, uma de frente
pra outra, e ainda montou uma mesinha de centro cheia de gavetas. O próprio
Praxedes mandou colocar uma divisão de vidro que separava o motorista do
passageiro, só abria a janelinha se o passageiro quisesse passar algum recado
pro motorista. Só na viagem ele achou mais de vinte propostas de compra, sem
falar nas mulheres: todas faziam questão de dar uma volta no escritório
ambulante. Mas tudo no maior respeito! Como já foi dito, a kombi era um
escritório familiar. Era o carro indicado para qualquer profissional que
gostasse de discrição: médico, advogado, pai de santo, artista… Podia ser usado
no trabalho e no lazer. Aquelas cortinas isolavam o cliente do mundo exterior,
tinha cliente que só abria a cortina em cidade do porte de Jequié pra cima.
Tinha muita gente metida a besta! Naquele tempo, então… Praxedes era sabido,
não se esqueceu de comprar aquela mãozinha que dá adeus quando o carro está em
movimento, era um sucesso.
Era solteiro, mas
apesar de ser feio feito a porra, toda hora achava uma proposta. Mas sempre
saiu de baixo. Para ele, o homem só podia casar depois que ficasse rico, e
naquele momento ele estava focado na sua revolucionária kombi escritório. Era
um sucesso, já tinha até gente querendo imitar. Mas igual à dele, ficava
difícil naquele tempo em que conseguir uma ligação telefônica interurbana ou
interestadual era problema. Praxedes tava ganhando tanto dinheiro que pensava
até em aumentar a frota… Mas isto era plano pro futuro. Teve um cliente que
ficou tão satisfeito que mandou um pintor escrever no parachoque da kombi, em
dourado: “Luxo total e respeito”.
Só teve uma época
que o sucesso do carro ficou um pouco abalado. Foi depois que as irmãs Rosemar
e Rosicler, cartomantes da Zona da Mata, fretaram a kombi de Praxedes para uma
viagem longa. Fecharam as cortinas assim que entraram e só abriram no final da
viagem, nem desceram no Guigó. Aí os fuxiquentos das cidade que Seu Praxedes
passou com as irmãs sentaram a língua… Os tarados falaram que ele tava pegando
as duas. Outros rebatiam falando que Praxedes nem gostava da matéria. Mas que
tava deixando um despacho em toda encruzilhada que passava, isto contribuiu
para deixar o escritório em baixa. A “Luxo Total” ficou mais de um mês na
garagem.... Mas logo o pessoal mais entendido viu que aquilo era conversa pra
acabar com o negócio de Praxedes. Tava na cara: cartomante não coloca despacho,
e o dono do carro não é nenhum Casanova, era feio pra porra e muito tímido. Mas
o que importa é que o escritório cortinado voltou a ser utilizado. Agora só
quem alugava era “dotô”, a urucubaca saiu de vez. Teve até uma dupla de
“adevogados” que contrataram os serviços por tempo indeterminado. Foi a época
em que Praxedes mais rodou, virou a Bahia e Minas de pernas pro ar. Conheceu a
Lapa toda, só não foi nas capitais. Os “dotô” deviam ser famosos, eram chamados
em todo canto. E eles não mediam esforços, era entrar em contato que rumavam para
o lugar, não importava se era domingo ou feriado. Depois de um bom tempo, os
dois “adevogados” pagaram Praxedes (muito bem, por sinal) e sumiram. Os
clientes foram pra um lado e ele para outro, nunca mais se viram. Praxedes, que
desde cedo mostrou ser um grande empreendedor, ficou rico no ramo de transporte
de luxo em Brasília.
E foi na capital
federal que aconteceu um desses casos raros de reencontro, uma grande
coincidência. Depois de trinta e cinco anos, ele reconheceu os antigos clientes
por acidente. É que Seu Praxedes, já casado e pai de vários filhos, resolveu
visitar a igreja que a família frequentava. Por terem chegado tarde, ficaram
nos últimos lugares, mas ele reconheceu a voz dos antigos clientes dando um
testemunho. Eles agora já eram pastores há muito tempo, estavam dando aquele
testemunho em comemoração aos 35 anos do dia em que Jesus os chamou para o lado
Dele (segundo os pastores). Estavam contando justamente a história de quando
fretaram uma kombi cortinada e ficaram mais de dois anos matando gente no eixo
Bahia-Minas, ganharam muito dinheiro! Era só passar fogo na encomenda e entrar
na kombi com as cortinas já fechadas. Foram 18 serviços em menos de três anos.
Quando Seu Praxedes confirmou que eles estavam contando a história dele há 35 anos
atrás, saiu de costas pra igreja, nunca mais passou nem na porta. E fez a
esposa mudar de igreja naquela mesma semana, aquela era muito “pesada”, ele não
tinha gostado da conversa daqueles dois pastores safados que ficaram ricos
matando gente e depois entraram pra igreja pra ficar em paz com Deus…
“Ainda bem que eu
só fiquei sabendo disso agora, o Senhor é testemunha de que sou inocente”.
Será?!! É que a velha consciência sempre cobrava, como é que um homem passa
quase três anos dirigindo pra dois pistoleiros profissionais e nunca notou nada
errado? Aquelas duas pragas de paletó e gravata não saíram de sua mente pelo
resto da vida. Ele não se perdoava por não ligar as coisas: aqueles dois
sacanas nunca pararam na porta de um fórum ou de um cartório, e só atendiam à
noite. Não dava nem pra contar pra alguém pra aliviar a depressão, como é que
ele ia explicar que começou a fortuna dirigindo pra Etevaldo “Dedo Mole” e
Anacleto “Todo Ruim”? Seria um suicídio social, ele já tinha até filha casada
com gente influente no governo. Se a bancada do “alto luxo” ficasse sabendo do
seu passado, Praxedes se lascava. com essa política de moralização, até os
primos do sogro qualquer político têm que ter ficha-limpa. Era melhor ficar
quieto.
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