Era uma vez no Nordeste
Nando da Costa Lima
Zeca Açougueiro
viajou pro Rio de Janeiro à procura de uma mulher à sua altura. Todo mundo foi
contra a ideia, tanta mulher bonita dando sopa aqui na Bahia. Mas, como era
riquíssimo , ninguém ia contra. Tinha Maristela de Seu Leôncio, uma moça linda
e prendada. Tá certo que tinha aquele problema com os dentes (era banguela),
mas com o dinheiro que ele tinha, aquilo podia ser corrigido. Naquele tempo, ou
o cidadão era banguelo ou usava chapa quando era mais remediado. Dentista
formado era coisa rara. Dor de dente era um problemão, quando aparecia, só
fazendo a extração… A meninada morria de medo, mas se você examinar as
ferramentas de trabalho de um dentista no início do século XX, vai pensar que
eram instrumentos de tortura da Idade Média. Apesar de que tinha gente com os
dentes perfeitos e mandava arrancar tudo só pra usar chapa, era quase que uma
moda. Um sorriso “portátil” era o sonho de muitos. Naquele tempo era difícil
ter uma cabeceira que não tinha um copo d'água pra colocar a dentadura. O casal
quando era romântico usava um copo pra guardar as duas. E eles achavam aquilo
lindo. Noca da Farmácia deixou Mariana apaixonada depois que a convidou pra
botar as dentaduras pra dormirem juntas. Foi a cantada mais fatal de que se tem
notícia, a menina “gamou”!
Mas Zeca
Açougueiro queria uma mulher moderna, por isso foi procurar no Rio de Janeiro,
de preferência uma carioca legítima. Foram dias de viagem, naquele tempo nem a
Rio Bahia estava toda asfaltada! Zeca era um homem com seus 50 anos, viúvo e
tinha dois filhos já adultos. Só sabiam dirigir e comer, os gêmeos já estavam
com quase trinta anos e agiam como adolescentes “passados”. E foram os três que
fizeram a viagem pro Rio num Jipão. Só um dirigindo cansava muito e ele queria
que a escolhida conhecesse a família logo, queria tudo às claras, não queria
problemas futuros. Naquele tempo não tinha esse negócio de malhação, o máximo
eram as aulas de ginástica duas vezes por semana no ginásio, eram as famosas
aulas de educação física. “Malhação” era palavrão!
Lindonésia já
tava beirando os cinquenta e cinco! Mas se cuidava, e ele já tinha explicado
para os filhos que queria uma mulher madura mas consistente, como a Jurubeba
Leão do Norte: boa em qualquer quarto de Lua. Zeca ficou pouco tempo no Rio de
Janeiro. Estava com pressa, pois a fazenda tinha ficado na mão do vaqueiro. Não
passou três dias, ele bateu os olhos na mulher ideal: era madura, elegante e
com certeza era muito popular. Zeca a notou da janela do quarto do hotel Paris,
ela não saía da esquina que ficava o semáforo, e ele ficou intrigado sem saber
por que ela nunca atravessava. O sinal abria, fechava, e ela lá. Só quando
alguém oferecia carona que ela não perdia tempo. Lindonésia era persistente,
enquanto um carro não parava, ela não arredava o pé da “sinaleira”.
Da varanda do
hotel, Zeca ficava encarando Lindonésia e fazendo planos para o futuro. Os
filhos já estavam ficando retados com a prosa ruim daquele velho chato
apaixonado. Ela já tinha cadeira cativa no coração do viúvo. Um dia, já doido
de paixão, Zeca fez um bilhete de três páginas convidando-a para um jantar
íntimo no hotel. Quando os rapazes chegaram acenando o bilhete, Lindonésia foi
logo alertando: “Pra ficar com os dois é mais caro”. Eles não entenderam nada.
Apesar de adultos, foram criados naquele fim de mundo. Só entregaram o bilhete
à piranha. Ela começou a ler e perguntou se era alguma brincadeirinha. Quando
leu direito o bilhete e percebeu que se tratava de um pedido de casamento e viu
que os dois rapazes estavam esperando a resposta, concordou com tudo que foi
posto e aceitou o convite para jantar. Chegou a ficar emocionada, já tinha
descartado essa história de casamento. Mas agora era coisa séria, ela não podia
perder aquele pretendente. Já tava ficando coroa, e pela foto enviada junto ao
bilhete, ele não era de se jogar fora.
Zeca chorou
quando os filhos falaram que ela ficou emocionada quando viu o retrato que ele
enviou junto com o bilhete, quase desmaiou… No dia marcado, ele já foi
encontrá-la na porta do hotel com um anel de noivado, um diamante enorme. Isso
deixou Lindonésia ainda mais interessada, e ele entendeu que aquilo era amor à
primeira vista. Na hora que foram para o restaurante, eles já estavam noivos.
Ela até se fez de difícil, perguntou se os filhos dele não iriam achar ruim. Os
rapazes se prontificaram a acalmá-la. E tudo correu “como nos conforme”,
Lindonésia já saiu do hotel com o casamento marcado. Zeca tinha pressa, tinha
encontrado o que procurava. Ela era o máximo! Não podia escutar tango que
chorava, era muito sentimental. Não voltou ao velho ponto de guerra nem pra se
despedir. Já tinha tomado raiva daquela sinaleira, a idade não a estava
deixando trabalhar direito, a juventude da concorrência já tinha espantado os
clientes. Estava ficando difícil, aquele viúvo rico tinha caído do céu! Quanto
aos filhos, estes não iriam causar problema. No quinto dia dele no Rio, o
casamento já estava marcado. Casou-se no cartório e deixou a cerimônia na
igreja pra fazer em sua terra, e a noiva concordou prontamente. Ele voltou pra
roça com os filhos e ela ficou no Rio arrumando o enxoval, tinha menos de um
mês pra arrumar tudo, até o vestido de noiva, uma das exigências do marido. Ele
ia matar muita gente de inveja quando aquela “loirona” entrasse na igreja toda
de branco.
Quando ele deu a
notícia na venda cheia de gente, já foi de propósito, queria esnobar, e pra
fazer inveja pro pessoal, mostrou uma foto de Lindonésia só de maiô. O viajante
Zé “Bico Doce” bateu o olho e foi logo falando: “Essa aí eu pego toda vez que
vou pro Rio. Ela faz ponto debaixo da sinaleira do Hotel Paris, teve até uma
vez que ela me empestiou de chato…”. Mal ele acabou de falar, Zeca Açougueiro
passou a mão na “canela seca” pra tirar satisfação, aquilo era um absurdo! Bico
Doce foi mais rápido e acertou Açougueiro. Quando os gêmeos escutaram o
estampido, entraram correndo. Zé se sentiu intimidado e atirou nos dois. Foram
três tiros fatais, uma tragédia. Bico Doce sumiu caatinga adentro. Era neto de
cangaceiros, conhecia a terra na palma da mão e vivia na sombra da valentia do
avô cangaceiro. Nem o cabo Josimar “Cabeleira” tinha coragem de ir atrás. Mas a
coisa ficou mais triste quando Lindonésia chegou poucas horas depois da
tragédia. Chegou pra enterrar o marido e os enteados. E na hora da missa de
corpo presente, jurou que nunca mais tiraria o luto fechado. A viúva Lindonésia
passou a ser um sinônimo de fidelidade e sinceridade nos quatro cantos da
caatinga, teve um cantador de feira que fez uma embolada falando do amor
interrompido. Usou o luto fechado até sua morte, como prometido… Mas só andava
“à paisana” pra não perder tempo.
Viveu 86 anos e era famosa por ser a única
fazendeira que tinha 9 vaqueiros, 6 jardineiros e 4 jagunços pra proteger o
patrimônio e tocar o latifúndio pra frente. Uma mulher forte, não se sabe
porque não entrou pra política. Talvez porque tinha aquela suspeita de que foi
ela que contratou Zé Bico Doce pra dar um sumiço no marido…
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