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sábado, 9 de março de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO


Fetichismo
NANDO DA COSTA LIMA
            Dr. Jesuíno Onoris Causa era um solteirão convicto. Um homem sistemático e, apesar de cortejado pelas mulheres, nunca quis abrir mão de sua liberdade. Formado em direito e muito conceituado em sua área, era um homem íntegro. Mas todo mundo tem um lado que ninguém gosta. Aquilo nem chegava a ser um defeito, o Dr. era solteiro e tinha todo o direito de ser namorador, mas o pessoal do contra achava o “dotô” muito machão. É claro que ele fazia jus, estava sempre trocando de namorada. Segundo os porteiros de xoxota, ele já tinha traçado a maioria das mulheres da cidade. Mas não era assim, o Dr. tinha suas preferências: mulher para ele tinha que ser fina, ou pelo menos formada em alguma coisa. Segundo o dotô, elas entendiam melhor os homens inteligentes e suas manias sexuais (taras). Ele gostava de um fetiche, só transava usando roupas íntimas de mulher: calcinha, sutiã e meia arrastão. Só funcionava assim! Sua preferida era da área de saúde… Dotôra Marineide Maristela também adorava um “sexo animal”, e ela só se satisfazia se tivesse uma “ceninha” antes do coito. Se vestia com uma roupa de couro, tipo “Mulher Gato”, só que incluiu na fantasia um chicote de couro e duas esporas. Só transava depois que cortava o parceiro no chicote e na espora. Era um ritual demorado e dolorido, a dotôra deixava as costas de Jesuíno em carne viva. Machucava tanto o coitado que eles, apesar de se entenderem maravilhosamente na cama, só podiam se encontrar de duas a três vezes por ano. O dotô saía do motel estrupiado. Essas demoras só faziam aumentar a tara do casal de amantes. Passavam uma tarde dando vazão à libido. Só que a dotôra, apesar de ser divorciada, tinha um ex-marido que não conseguia superar a separação. Era muito ciumento, daqueles cornos que acham que a mulher que dispensava ele tinha que morrer, não podia ser de mais ninguém. Ela tinha que ter jogo de cintura pra ter seus encontros e cortar o amante no chicote, o ex a marcava no corpo a corpo.
            Já tinha mais de seis meses que eles não se viam, no último encontro o dotô quebrou três costelas. Mas nesse tempo eles ficavam passando mensagens eróticas pelo “zap”, fazia parte do ritual. As mensagens apimentavam ainda mais o relacionamento. E foi num feriadão que Marineide tomou a iniciativa, tava doida pra pegar o dotô no jeito. Ela queria não só uma tarde, mas um fim de semana na beira do mar. Adorava aquele homem, era forte e gostava de apanhar… aquele sabia apreciar uma chicotada bem dada. Dessa vez o dotô caprichou, comprou pela internet um conjunto roxo com calcinha, sutiã, meia arrastão e uma sandália salto alto vinda do Rio, de uma loja que só vendia produtos para travestis. O dotô calçava 46! Quem visse aquele marmanjo de 1,90 trajado daquele jeito, logo se assustava. Aquele batom vermelho coberto por aquele bigodão aparado ficava esquisito. Se bem que a dotôra não era lá essas beldades, mas pra encarar aquilo, tinha que ter estômago, e ela tinha!
            E foi num chalé a beira mar que os dois se encontraram e acabou acontecendo um imprevisto que abalou o dotô, ele teve que mudar de estado! Marineide começou a chicotear o parceiro, quando de repente levou a mão ao peito e caiu desacordada. Dotô Onoris tentou de tudo pra acordá-la, mas nada deu certo. Quando sentiu que Marineide Maristela tinha abotoado o paletó, ligou para o SAMU tinha que se picar, não podia ficar ali em hipótese alguma!
 Dotô Onoris vestiu o terno rapidamente, não tirou nem a fantasia. Botou a roupa por cima e lembrou até da gravata. Tava pensando em se lançar como candidato na próxima eleição, se ficasse ali a imprensa lascava com ele, e também tinha aquele ex marido que matava e morria por Marineide. O dotô foi rápido, entrou no carro e se picou pra sua casa no interior. Já estava chegando quando resolveu entrar num bar pra comprar cigarros. Deu azar! Nesse exato momento estava acontecendo uma briga entre dois bêbados, um deles sacou a arma e deu três tiros. Um dos tiros acertou o dotô de raspão e ele desmaiou com o susto. Caiu como se tivesse sido atingido em cheio. Quando o pessoal do “deixa disso” percebeu que ele tava vivo, jogaram dentro de um táxi e levaram pro hospital. Dr. Onoris chegou lá desmaiado, o pessoal do plantão levou pra enfermaria e tirou o terno pra ele respirar melhor. Foi aí que lascou tudo. Quando o pessoal constatou que o dotô tava de calcinha, sutiã e meia arrastão, os funcionários do hospital fizeram fila pra ver aquela coisa exótica. Os médicos fizeram o curativo e nem tiraram a fantasia de Dr. Onoris. Diz ele que foi sacanagem da equipe, o pessoal fez fila pra fotografar, deixaram até o tamancão 46.
Na hora que acordou do mal súbito pensou que tinha sido ferido mortalmente. Quando viu como estava vestido, chegou a pensar que era melhor ter morrido. Uma equipe médica entrou no quarto e ele fez de conta que ainda estava desmaiado. Foi aí que um dos médicos fez um comentário já sorrindo: “Este travecão é aquele dotô tirado a machão, aquele que o pessoal fala que é homofóbico… Quem diria, todo mundo pensava que era o garanhão da cidade”. Foi o jeito permanecer de olho fechado e esperar que a equipe médica se retirasse. Assim que ficou só, vestiu o terno, pegou a chave do carro e se picou pra casa do pai lá no Rio de Janeiro. Nunca mais voltou pra cidade em que se destacou como um brilhante advogado. Sabia que não podia ficar, os médicos e as enfermeiras daquele hospital eram famosos pelo fuxico, o nome dele já devia estar na boca da cidade toda. Agora ele era o travecão que brigou com o “bofe” e acabou tomando um tiro de raspão. Toda roda de fuxico tinha uma versão diferente pro caso. Mas eram todas parecidas: o playboy da cidade, que se dizia machão e homofóbico, usava roupa de mulher por baixo do terno. E como todo mundo sabe, é a opinião pública que prevalece. Agora então, com esse negócio de rede social...

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