Fetichismo
NANDO
DA COSTA LIMA
Dr. Jesuíno
Onoris Causa era um solteirão convicto. Um homem sistemático e, apesar de
cortejado pelas mulheres, nunca quis abrir mão de sua liberdade. Formado em
direito e muito conceituado em sua área, era um homem íntegro. Mas todo mundo
tem um lado que ninguém gosta. Aquilo nem chegava a ser um defeito, o Dr. era
solteiro e tinha todo o direito de ser namorador, mas o pessoal do contra
achava o “dotô” muito machão. É claro que ele fazia jus, estava sempre trocando
de namorada. Segundo os porteiros de xoxota, ele já tinha traçado a maioria das
mulheres da cidade. Mas não era assim, o Dr. tinha suas preferências: mulher
para ele tinha que ser fina, ou pelo menos formada em alguma coisa. Segundo o
dotô, elas entendiam melhor os homens inteligentes e suas manias sexuais
(taras). Ele gostava de um fetiche, só transava usando roupas íntimas de
mulher: calcinha, sutiã e meia arrastão. Só funcionava assim! Sua preferida era
da área de saúde… Dotôra Marineide Maristela também adorava um “sexo animal”, e
ela só se satisfazia se tivesse uma “ceninha” antes do coito. Se vestia com uma
roupa de couro, tipo “Mulher Gato”, só que incluiu na fantasia um chicote de
couro e duas esporas. Só transava depois que cortava o parceiro no chicote e na
espora. Era um ritual demorado e dolorido, a dotôra deixava as costas de
Jesuíno em carne viva. Machucava tanto o coitado que eles, apesar de se
entenderem maravilhosamente na cama, só podiam se encontrar de duas a três
vezes por ano. O dotô saía do motel estrupiado. Essas demoras só faziam
aumentar a tara do casal de amantes. Passavam uma tarde dando vazão à libido.
Só que a dotôra, apesar de ser divorciada, tinha um ex-marido que não conseguia
superar a separação. Era muito ciumento, daqueles cornos que acham que a mulher
que dispensava ele tinha que morrer, não podia ser de mais ninguém. Ela tinha
que ter jogo de cintura pra ter seus encontros e cortar o amante no chicote, o
ex a marcava no corpo a corpo.
Já tinha
mais de seis meses que eles não se viam, no último encontro o dotô quebrou três
costelas. Mas nesse tempo eles ficavam passando mensagens eróticas pelo “zap”,
fazia parte do ritual. As mensagens apimentavam ainda mais o relacionamento. E
foi num feriadão que Marineide tomou a iniciativa, tava doida pra pegar o dotô
no jeito. Ela queria não só uma tarde, mas um fim de semana na beira do mar.
Adorava aquele homem, era forte e gostava de apanhar… aquele sabia apreciar uma
chicotada bem dada. Dessa vez o dotô caprichou, comprou pela internet um
conjunto roxo com calcinha, sutiã, meia arrastão e uma sandália salto alto
vinda do Rio, de uma loja que só vendia produtos para travestis. O dotô calçava
46! Quem visse aquele marmanjo de 1,90 trajado daquele jeito, logo se
assustava. Aquele batom vermelho coberto por aquele bigodão aparado ficava
esquisito. Se bem que a dotôra não era lá essas beldades, mas pra encarar
aquilo, tinha que ter estômago, e ela tinha!
E foi num
chalé a beira mar que os dois se encontraram e acabou acontecendo um imprevisto
que abalou o dotô, ele teve que mudar de estado! Marineide começou a chicotear
o parceiro, quando de repente levou a mão ao peito e caiu desacordada. Dotô
Onoris tentou de tudo pra acordá-la, mas nada deu certo. Quando sentiu que
Marineide Maristela tinha abotoado o paletó, ligou para o SAMU tinha que se
picar, não podia ficar ali em hipótese alguma!
Dotô Onoris vestiu o terno rapidamente, não
tirou nem a fantasia. Botou a roupa por cima e lembrou até da gravata. Tava
pensando em se lançar como candidato na próxima eleição, se ficasse ali a
imprensa lascava com ele, e também tinha aquele ex marido que matava e morria
por Marineide. O dotô foi rápido, entrou no carro e se picou pra sua casa no
interior. Já estava chegando quando resolveu entrar num bar pra comprar
cigarros. Deu azar! Nesse exato momento estava acontecendo uma briga entre dois
bêbados, um deles sacou a arma e deu três tiros. Um dos tiros acertou o dotô de
raspão e ele desmaiou com o susto. Caiu como se tivesse sido atingido em cheio.
Quando o pessoal do “deixa disso” percebeu que ele tava vivo, jogaram dentro de
um táxi e levaram pro hospital. Dr. Onoris chegou lá desmaiado, o pessoal do
plantão levou pra enfermaria e tirou o terno pra ele respirar melhor. Foi aí
que lascou tudo. Quando o pessoal constatou que o dotô tava de calcinha, sutiã
e meia arrastão, os funcionários do hospital fizeram fila pra ver aquela coisa
exótica. Os médicos fizeram o curativo e nem tiraram a fantasia de Dr. Onoris.
Diz ele que foi sacanagem da equipe, o pessoal fez fila pra fotografar,
deixaram até o tamancão 46.
Na hora que acordou do mal súbito
pensou que tinha sido ferido mortalmente. Quando viu como estava vestido,
chegou a pensar que era melhor ter morrido. Uma equipe médica entrou no quarto
e ele fez de conta que ainda estava desmaiado. Foi aí que um dos médicos fez um
comentário já sorrindo: “Este travecão é aquele dotô tirado a machão, aquele
que o pessoal fala que é homofóbico… Quem diria, todo mundo pensava que era o
garanhão da cidade”. Foi o jeito permanecer de olho fechado e esperar que a
equipe médica se retirasse. Assim que ficou só, vestiu o terno, pegou a chave
do carro e se picou pra casa do pai lá no Rio de Janeiro. Nunca mais voltou pra
cidade em que se destacou como um brilhante advogado. Sabia que não podia
ficar, os médicos e as enfermeiras daquele hospital eram famosos pelo fuxico, o
nome dele já devia estar na boca da cidade toda. Agora ele era o travecão que
brigou com o “bofe” e acabou tomando um tiro de raspão. Toda roda de fuxico
tinha uma versão diferente pro caso. Mas eram todas parecidas: o playboy da
cidade, que se dizia machão e homofóbico, usava roupa de mulher por baixo do
terno. E como todo mundo sabe, é a opinião pública que prevalece. Agora então,
com esse negócio de rede social...
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