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sábado, 1 de junho de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO

Janis Joplin na Bahia

Nando da Costa Lima
No início dos anos 70, nossos meios de comunicação ainda estavam bem lentos, era muito diferente antes dos celulares… Nesse tempo também ainda não tinha as redes sociais que tornaram as surpresas impossíveis. Não tem mais nem como os famosos se esconderem, todo mundo sabe da vida de todo mundo. Alegrias, tristezas, comidas, problemas: tudo é compartilhado em minutos.
 Foi em 1970 que a cantora Janis Joplin resolveu aparecer em Arembepe-BA. Ali talvez tenha sido o último refúgio dos hippies, só ficaram os que insistiam em acreditar que o sonho ainda não tinha acabado. Talvez por isso Janis deu as caras, veio ver o princípio do fim de uma época em que ela foi uma das protagonistas. Passou alguns dias por ali… gostou muito, teve contato com alguns moradores, e segundo os que a conheceram, ela era uma pessoa muito simpática. Talvez isso tenha levado todo baiano que viveu nessa época a dizer que teve contato com Janis. Se fosse juntar todo mundo que diz ter conhecido a cantora, dava pra encher duas Salvador. Tem também as bijuterias que ela comprou ou presenteou algum hippie baiano. Se for juntar tudo, dá pra encher umas cinco carretas. Todo hippie velho tem uma história muito doida que rolou com ele e Joplin. O ser humano é engraçado… Adora os famosos.
O hippie Deoclécio Gago e sua namorada Ametista Mineira estavam dividindo um PF no restaurante da rodoviária. Tinha outro casal que também estava indo pra Arembepe pra recordar os bons tempos que passaram com a cantora. O gago tava contando sua aventura com Janis.
— Ta-ta-tava eu e Wa-Wa-Waly Salomão. Janis pediu pra gente fazer um som pra ela, foi nessa que eu ganhei Ametista Mineira, foi o maior barato!. Eu fiquei uns três dias hospedado na barraca dela, e blá blá blá…
          Do outro lado tava Marcão Relpi, que também era um hippie na mesma faixa de idade dos que estavam na rodoviária. Todos por volta de 60 a 70 anos, era uma seleção de hippie velho pra ninguém botar defeito… Hippie depois dos cinquenta fica tudo igual! Marcão também tava narrando sua história com a diva americana:
— Tava, Ana Blú e mais uma patota de Conquista, e Janis já chegou pocando: “E aí, mai brodi, ai love a Bahia”. Aí eu abri uma garrafa de Jurubeba e me apresentei: “Mai neime ís Marcão…”. Aí ela rebateu: “Du iu laique uisque, mai brode?”.
          Aí Marcão caiu matando.
— Ai laique uisque, Jurubeba e mulher famosa, mai friendi. – Janis sorriu e me convidou pra dar uma volta, aí Ana Blú cortou o meu barato, eu fiquei puto. Mesmo assim, ela me deu esse colar e esse anel. Ana Blú até hoje fica com ciúme quando conto essa história.
 A rodoviária tava parecendo um retiro de hippie velho, tinha cabeludo grisalho de tudo que é lado. Pedro Pissilove tava numa roda de mais de dez ripongas, tava contando sua aventura com Janis numa noite de Lua cheia (outra curiosidade, todo hippie teve contato com a cantora numa noite de lua cheia). Segundo ele, até hoje Arembepe lembra daquele episódio. Ele ficou duas noites e dois dias trancado na barraca com Janis. Mas era discreto, não entrava em detalhes. Quando alguma riponga insistia querendo saber mais da intimidade deles, Pissilove dava um bote, falava que só podia entrar em detalhes de forma mais reservada, e que a barraca dele tava armada na blá blá blá…
Seu Prudêncio tava na rodoviária esperando o filho e ficou impressionado com o tanto de gente da idade dele que estava ali. O que aquele povo tava querendo ali? Arembepe não tem mais tanto atrativo. Antes, era um paraíso. Pra passar o tempo, Prudêncio ficou escutando os causos de toda roda de hippie. Quando o filho chegou, ele antes de cumprimentar já foi logo indagando:
— Por que esse bando de velhos tá aqui fazendo ponto? Não tem o que fazer… Cada um mais conversador que o outro. E as histórias são todas parecidas, parece que aconteceram ao mesmo tempo. Até a bebida é a mesma. A Jurubeba está em todos os causos. Será por causa da idade???
— Não, pai. Jurubeba é pra qualquer idade. Eles tão citando a bebida porque teve uma degustação aqui perto. Aí você sabe, né? O trem já é bom, de graça então… Eles beberam umas 5 caixas.
— Quer dizer que as histórias desses velhos são todas mentira. E quanto à bebida, teve uma riponga que disse que presenteou Janis Joplin com duas garrafas da legítima Jurubeba Leão do Norte embrulhada pra viagem. Ela própria embrulhou, colocou uma fitinha do Senhor do Bonfim pendurada em cada uma das garrafas. Você acha que é tudo mentira?
— Disso eu não tenho certeza, mas ela tinha muito bom gosto… Jurubeba é um bitter pro gosto dos americanos e europeus. Quem sabe não é verdade da hippie Flor do Verão?
— O povo não tem mais o que fazer, só agora que eu descobri que este bando de desocupados tá indo pra um encontro em Arembepe. Tem até uma camiseta escrito: “1º Encontro Brasileiro de Hippies que Conheceram Janis Joplin”.
          Se você tem 65, 75 ou mais, não deixe de comparecer ao encontro. Vai rolar uma feijoada completa, até fraldão descartável vai ser distribuído.

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