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sábado, 27 de julho de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO


O Código

Nando da Costa Lima
Pedro Astróbio falava pelos cotovelos. Quando ele pedia a palavra, o povo morria de raiva, e era em qualquer ocasião: aniversário, casamento, enterro… Foi num enterro que aconteceu um caso que deixou o palestrante mais de 15 dias fora do ar. O povo deu graças a Deus, era época de política. Aconteceu que no dia do enterro do sargento Neocelindo ele estava presente. O sargento era muito bem quisto, várias autoridades falaram na cerimônia fúnebre, e Astróbio tava pra endoidar de vontade de falar, mas na fila dos mais importantes ele ficava no final. Demorou de chegar sua hora, e quando chegou o povo já estava querendo fechar o caixão, sabiam que se ele começasse seria no mínimo mais uma hora. Mesmo assim, cederam a palavra. Quando ele levantou os braços pra começar a oratória, saiu um espirro tão brabo que até a dentadura caiu dentro do caixão. Ele fez um sinal pro pessoal que estava perto do caixão para pegarem a dentadura, mas eles entenderam que era pra fechar o caixão. Mesmo banguelo, o orador ainda colocou a mão na boca e falou: “Vai, meu sargento, e leva meu sorriso contigo”. E foi esta atitude que o levou a trabalhar nos bastidores da política.
A política tava pegando fogo, Pedro Astróbio não parava num canto, rodou a região quase toda numa rural fazendo campanha pro padrinho. O partido tinha mais de 10 carros fazendo esse trabalho de campo, tinha que correr atrás… O sonho de todo prefeito era trazer o governador na sede que ele representava, que conseguisse fazer isso ficava bem. Só que naquela política de conchavo o governador sempre se resguardava, evitava fazer esse tipo de campanha. Geralmente, os eleitores que se dividiam na política regional, mas votavam fechado com o governador. Só quando a coisa tava muito feia, correndo o risco de não eleger seu sucessor, é que a comitiva do governo aparecia nos maiores currais do estado pra garantir uma vitória de porteira fechada. Se o governo atendesse ao pedido de um candidato, este estava quase eleito. Mas quando essas visitas governamentais eram confirmadas, tinha que ser debaixo de muito segredo. Era pra ter o fator surpresa pra impressionar o eleitorado, o povo e, principalmente, a oposição. Só ficavam sabendo da visita ilustre faltando poucas horas pro comício! Só assim pras coisas correrem de acordo, não dava nem pra oposição protestar. O povo ficava tão alegre com a presença do governador amigo do candidato que enchia a cara de cachaça distribuída de graça, e tudo era festa. Mas isso graças aos competentes assessores que faziam acontecer tudo em segredo, usavam até códigos. As coisas tinham que acontecer secretamente para evitar picuinhas….
E foi numa dessas eleições que Pedro Astróbio recebeu uma incumbência que o deixou emocionadíssimo e se sentindo um articulador político de alto nível. Ficou tão empolgado que foi em Conquista e mandou confeccionar vários ternos no Beco da Tesoura. Na semana do evento ele tinha que estar elegante e usar um terno por dia, sendo que no dia do comício ele ia usar um pela manhã, um à tarde e um à noite. A mulher tava dando a maior força, também mandou fazer uma dúzia de vestidos longos pra acompanhar o marido no dia do grande acontecimento.
Acontece que o candidato a prefeito, seu padrinho, mandou Astróbio até a capital pra conversar com um deputado estadual pra juntos conseguirem uma visita ao reduto eleitoral do candidato que era do mesmo partido que o governador. O governo estava evitando esse tipo de campanha, que segundo os assessores só atrapalhava, e além disso, tinha o gasto com avião pra carregar a comitiva. Mas no caso de Astróbio, os assessores viram que se tratava de um grande reduto, tinha mais de 20% dos votos do estado. Seria uma boa jogada do governo, tava precisando fixar a situação na região. Os assessores marcaram uma reunião com o cabo eleitoral e o deputado estadual eleito pela região, quando deram a notícia de que o governador tinha concordado com a visita, eles quase choraram… Depois, em conversa reservado com Astróbio, a equipe do governo explicou que todos só deveriam ficar sabendo da chegada horas antes do avião pousar, o fator surpresa era essencial nesse tipo de ação política, era um xeque-mate quando se tratava de eleição. Os assessores do governador insistiram no total sigilo da missão. Mandaram Astróbio permanecer na capital e só comunicar ao prefeito da visita faltando poucas horas, e de maneira bem discreta. O governador iria abrilhantar o último comício marcado para a praça principal. E hospedado num hotel no centro da capital, Astróbio pediu à direção do lugar que reservassem um andar do hotel só pra ele, necessitava de espaço e silêncio pra enviar uma mensagem ultra secreta pro prefeito que ele representava.
Nesse tempo, a única maneira de se comunicar era por carta, telégrafo ou rádio amador. Este último estava fora dos planos, muita gente podia captar a mensagem codificada. A melhor opção era o telégrafo, e foi nele que o assessor político Pedro Astróbio redigiu e enviou umas das pérolas da comunicação política. Para evitar que a oposição e os curiosos ficassem sabendo que o avião do governador ia pousar na região pra prestigiar o prefeito, Astróbio fez a barba, colocou outro terno novo e se dirigiu aos Correios. Lá ele fez uma reunião particular com o telegrafista responsável, e em segredo absoluto, com um código que segundo os dois era uma obra prima (o telegrafista da região era suspeito de ser da oposição), enviaram o seguinte telegrama: “Grande futuro cacique do Planalto dos Mogoiós: pássaro de ferro irá pousar com grande chefe branco, 3 horas antes do comício começar”.
E deu tudo certo… Só que o governador, ao tomar conhecimento do telegrama codificado, teve uma crise de riso que quase não sobe no palanque.

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