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sábado, 3 de agosto de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO

O Peru Sapateador




Dr. Abreu era delegado e se orgulhava da profissão, era tão fanático pela lei que dedicava seu tempo quase que integral à perseguição de bandidos. Mas num vilarejo daquele tamanho era muito difícil aparecer um marginal, sendo assim ele suspeitava de tudo e de todos, era o único jeito de mostrar serviço, muita gente boa foi em cana devido à paranoia do delegado. Mesmo contra a vontade, a comunidade tinha que admiti-lo, pois o vilarejo ficava em suas terras. Seu pai quando chegou na região (segundo as más línguas) tava matando cachorro a grito e comendo muito ensopado de capa de cangalha velha (não se sabe como, mas venceu). Graças ao seu “carisma”, tornou-se presidente da cooperativa em pouco tempo, e isto levou Abreu a torna-se um empresário de sucesso. Criou a FRIBODE, uma das empresas mais promissoras da região (o cargo de delegado era mais uma tara, gostava de ser chamado de “otoridade”). Esta circunstância deixava o delegado à vontade levando-o a cometer arbitrariedades absurdas: um dia prendeu o padre como traficante de maconha, até o vigário conseguir provar que aquele pacote era incenso foi um sufoco.
Abreu adorava os domingos, era dia de feira, nesses dias ele sempre tinha o prazer de prender um marreteiro. E aquele domingo era especial, tinha um candidato a deputado de passagem pela cidade e ele como delegado não podia deixar de marcar presença, pensou até em mandar buscar uns ladrões  nas redondezas pra ele prender na hora do comício que seria na feira, mas deixou pra lá, no último caso ele prenderia Noca Mão Leve, marginal oficial da cidade. A feira já estava em atividade há mais de duas horas, o comício perto de começar e o delegado ainda não tinha encontrado nada de errado, até Noca tinha viajado. Mas pro alívio do Dr., um camelô se instalou em frente ao palanque chamando a atenção de quem passasse, só se escutava elogio: “O homem é retado”, “Aí sim eu vi um artista”. Abreu com seu faro de investigador veterano logo sentiu que ali tinha treita, sua desconfiança aumentou quando viu do que se tratava: era um safado enganando o povo com um peru, dizia-se o único amestrador de peru do mundo, o velho colocava o peru em cima de um tabuleiro e começava a batucar o tambor, o peru só parava de sapatear quando ele suspendia a batucada. Dr. Abreu não pensou duas vezes, prendeu Seu Otamilo e o peru, aquele velho tava fazendo alguma malvadeza com a pobre ave, ninguém ia conseguir ensinar um peru a sapatear. Mesmo Otamilo sendo um homem de idade avançada, o delegado não perdoou, partiu pra ignorância, queria saber de qualquer maneira o que ele fazia para aquele bicho sapatear. Começou com uma sessão de bolo, quando sentiu que o homem era duro, mandou arrancar as unhas e deu uns choques. E nada de seu Otamilo abrir o bico, não podia revelar um segredo de família guardado a várias gerações, a fórmula era simples: bastava esquentar um tabuleiro e botar o bicho em cima, este só parava de sapatear quando a chapa esfriava. Mas não seria ele quem revelaria, seu bisavô já amestrava perus há 60 anos atrás. O delegado perdeu a paciência, além de pendurar o velho no pau-de-arara arrancou o bigode com um alicate, quando seu Otamilo tava pra desmaiar o Dr. derramou um vidro de pimenta nos olhos. Como o homem estava demorando de abrir o jogo, deu ordem para o cabo dar um chute no saco daquele sacana de dez em dez minutos e partiu pra missa das nove, de lá ele iria para o tão esperado comício. Deixou a delegacia todo risonho, os gritos do velho sendo interrogado devem ter chegado aos ouvidos do povo, até o deputado já deveria ter sentido que ele era bom de serviço, era essa sua intenção, quem sabe esse deputado um dia não virava governador e colocava-o com secretário de Segurança do Estado.
Dr. Abreu estava num lugar privilegiado do palanque quando sentiu a primeira pontada, foi o próprio deputado quem primeiro o socorreu quando ele caiu vitimado por um infarto que quase o levou pra outra. Mas não era pra menos, as primeiras palavras do deputado lhe fizeram o mesmo efeito que um tiro a queima-roupa – “Caros amigos, não pensem que nasci em berço de ouro, fui educado com o dinheiro que meu pai ganhava na feira colocando um peru pra sapatear. Por sinal, apesar de não mais precisar, hoje ele está na feirinha daqui fazendo uma demonstração”. E o candidato a deputado estadual, por saber que o homem era filho do presidente da cooperativa e dono da FRIBODE, deixou aquilo passar como engano investigativo provocado pelos “subversivos” da oposição…

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