Diplomacia
Nando da Costa LimaFoi numa barraca que só vendia fumo de rolo e pinga (E é claro que rolava um joguinho apostado). Foi ali que um jogador, já meio tomado, começou a falar sobre uma surra que ele tinha dado num professor a mando de seus próprios aliados. A história contradizia toda a versão conhecida pelos demais. Apesar de terem certeza de que era mentira, eles insistiram que Emergildo de Duda contasse a versão da surra que um professor e poeta tinha tomado no início do século, o que atiçou a curiosidade do pessoal. A surpresa foi quando ele disse que foram os próprios aliados: todo mundo sabia que quem encomendou a surra foi o outro lado. É que se fosse pra decidir só com o pessoal daqui, o lado do juiz ganhava. Eles tinham que convencer o coronel em Macarani, pra entrar pro lado deles. Mas a disputa era entre parentes, e este não queria se meter na briga dos primos. A forma achada foi essa: o coronel tinha sido aluno do professor poeta e tinha um respeito muito grande pelo mestre. Era claro que quando soubesse que o seu professor tinha sido espancado por um dos lados ele tomaria partido do pessoal que tinha o professor como um de seus líderes. Essa decisão foi fundamental.
— Não se sabe quem, mas eu garanto que quem contratou era gente do mesmo lado. Eu sei porque eu ajudei a dar a surra, foi fácil… O poeta nem pôde reagir. Seu amigo, então, nem teve tempo de descer do cavalo. Morreu lá mesmo.
Aí uma senhora conhecida do poeta que estava passando pelo local, ao escutar a conversa, retrucou:
— Agora que o povo tá em paz, já nem se fala mais em briga, você vem com essa mentira, seu cachaceiro. Daqui a pouco você vai falar que foi papai que mandou bater no professor Manoel. Cê tá lembrando da tropa que sumiu com os animais arreados? Imagina você que só anda só, é tão miserável que nem amigo tem.
— Se a senhora tá me ameaçando, é melhor mandar seu marido tomar frente na briga. Meu negócio com mulher é só na cama. E tem que ser bonita!
— Não foi isso que Marluce falou. Ela tá decepcionada. Foi enganada. Viu alguém te chamando de jumento e pensou que era fazendo alusão. Casou com você e até hoje reclama da falta de atividade sua. Foi propaganda enganosa.
— A senhora agora quer se meter até na minha vida particular. Também, Marluce fica dando ousadia pra qualquer uma.
— Qualquer uma é a senhora sua mãe. E isso nem é segredo aqui, seu linguarudo. Quer mudar a história da cidade? Filho de jagunço, neto de jagunço… Quem é que vai acreditar? Além do mais, tem muita gente que se ficar sabendo dessa sua mentira vai fazer fila pra te mandar pro inferno na hora. É melhor você calar essa boca antes que eu costure com agulha de sapateiro.
— No dia em que uma mulher me fizer calar a boca, eu mudo de cidade ou visto uma saia.
— Então acho bom cê picar o burro antes da feira acabar. Se ficar, eu não me responsabilizo. Palavra de Belinha, e eu não tô aqui pra ver homem de saia.
Quando Emergildo escutou o nome “Belinha”, gelou da cabeça ao dedão do pé. Só deu tempo de ajoelhar, e gaguejando tentou se explicar:
— Perdão, Dona Belinha. Eu inventei essa história pra ver se causava alguma sensação, a feira tava muito sem graça, não tinha um fuxico rodando… Foi por isso que eu fiz essa besteira. Pelo amor de Nossa Senhora, esquece isso
— Mas agora você já falou. Então é bom picar a mula, ainda dá tempo, a feira mal começou.
— Tá bom, Dona Belinha. Meu nome é Emergildo, eu sou filho de Dona Duda, ela mora na passagem pra fazenda da senhora. Fale pra mãe que eu fui em direção à guarita de Minas e que de lá vou pra Sompaulo, não tem tempo pra voltar… Sua bênção, Dona Belinha.
— Deus te abençoe. Cria juízo e esquece de voltar. Pode deixar que eu falo pra sua mãe que foi melhor você viajar do que ficar plantado aqui.
E graças à diplomacia, correu tudo bem na feira da Rua Grande… Só Bertulino Araponga foi preso por se desentender com uma autoridade.
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