CUSTÓDIO PÉ DE VALSA
Nando da Costa Lima

Custódio
era mais arrogante do que ministro do STF, mas quando bebia, perdia a
noção de tudo... Ele parou o carro em frente a uma cancela, estava
completamente bêbado, tava de bater de lenço... Tentou abrir, mas viu
que estava com um cadeado enorme. Foi o jeito pular, mesmo estando vesgo
de pinga. Conseguiu cair do outro lado e do chão sentiu que vinha
alguém ao seu encontro. Era um senhor de uns 70 anos, com barba e
cabelos grisalhos. Ele acenou pro biriteiro e, apontando pro casarão, o
convidou para tomar um café. Custódio ficou de pé, sacudiu a poeira,
agradeceu o convite e acompanhou o velho até a residência. Lá a casa
parecia que estava em festa, tinha muita gente! Todos foram muito
simpáticos, parecia que todos eram parentes dele. Pela cordialidade,
Custódio se sentiu em casa, só tinha gente boa! Um dos presentes notou
que ele estava enrolando com aquela xícara de café com leite e ofereceu
uma pinga. Ele aceitou sorrindo, viu que ali era o lugar certo pra
terminar aquela farra. Ficou tão alegre que esqueceu do tempo, nem
pensava em sair dali, tava muito satisfeito. Dançou, comeu e,
principalmente, bebeu. Conversou sobre vários temas com os presentes, só
não ficou mais à vontade porque notou que só quem não estava armado
eram os meninos. Mas pelo tratamento a ele dispensado, pegava até mal
perguntar o motivo de tantas armas. Parecia que iam pra guerra! O
pessoal lhe tratou tão bem que ele não tinha planos de ir embora tão
cedo. Até uma possível namorada ele já tinha arranjado, era uma questão
de tempo. Antes da meia-noite ele já estava tropeçando no povo, mas
tinha certeza de que ia se dar bem com aquela morena.
A dona da casa entrou na sala e disse em voz alta que o jantar estava
sendo servido. Um verdadeiro banquete! Tinha de tudo: peru, pato,
galinha, bode e, para a alegria de Custódio, muita bebida. A comilança
correu muito bem, teve até discurso saudando o visitante. E ele,
emocionado, retribuiu elogiando a todos os presentes. Falou que nunca
tinha sido tão bem tratado em sua vida, nem na casa de parentes ele
tinha sido tão mimado, toda hora passava alguém oferecendo alguma coisa.
Tudo ficou ainda melhor quando um dos convidados apareceu com uma
sanfona e sentou o dedo pra dentro, tocou mais de vinte músicas
seguidas. E Custódio, a cada parte, mudava de par. Era um exímio
dançarino, até a matriarca fez questão de dançar uma valsa com o
galanteador que surgiu do nada. Ele começou a imaginar por que não tinha
conhecido aquele pessoal simpático há mais tempo, eram praticamente
vizinhos. De Conquista pra lá era um pulo, não entendia o porquê de
nunca ter encontrado com aquelas pessoas. Só podia ser coisa dos primos
invejosos, ficaram com receio de ele ficar mais amigo do casarão que
deles. Isto o deixou tão curioso que começou a interrogar a todos
disfarçadamente... Mas quanto mais indagava, mais o pessoal o deixava em
suspense. Ninguém tinha ouvido falar dos seus primos ou dos vizinhos.
Ninguém dava uma resposta que clareasse suas dúvidas. Como cavalo dado
não se olha os dentes, ele sossegou e continuou na farra, que estava
muito boa.
Quando deu meia-noite, o velho que, segundo ele, era o dono da casa,
chamou Custódio num canto reservado e falou que tinha gostado muito de
sua companhia, mas que infelizmente já estava na hora de ele ir embora,
tava na hora de dormir. Quando o velho acabou de falar, começou a
trovejar forte, e em questão de minutos caiu um temporal com muito
vento. Pareceu que as janelas do casarão trancaram de vez, era água e
vento como há muito tempo não se via. Os raios tornavam o temporal ainda
mais ameaçador, e Custódio, apesar de ter pavor de raio, até que
gostou. O dono da casa teria que hospedá-lo de qualquer jeito, nenhum
ser humano deixaria um visitante sair num temporal daqueles, seria
maldade! E era mesmo: deixar um bebum sair dirigindo debaixo daquele
aguaceiro era sacanagem das grossas. Mesmo assim, o dono da casa tornou a
chama-lo e quase que insistiu que ele fosse embora. Quando ele viu que o
povo tava falando sério, ficou receoso. Mesmo assim, insistiu, pedindo a
uma das moças pra convencer os velhos a deixarem ele pernoitar no
casarão. Mas não teve acordo, o povo tinha falado sério, e ele sem
entender nada insistiu mais uma vez, argumentou que não ia incomodar,
era só abrir a cancela, colocar o carro pra dentro e passar a noite.
Assim que a chuva passasse ele iria embora. Insistiu tanto que foi o
jeito abrirem a cancela e o deixarem dormir no automóvel. Antes de
encostar o carro em frente ao casarão, Custódio já estava cochilando,
mas fez questão de descer e se despedir de todos. Depois de muitos
agradecimentos e apertos de mão, voltou para o carro e dormiu. E como
dormiu...
Assustou com seus pais batendo no vidro do carro pra lhe acordar, a mãe
estava desesperada. E quando ele baixou o vidro, ainda meio tonto, ela
foi logo lendo o beabá pro bebum:
— Você tá ficando doido, meu filho? Eu fiquei sabendo lá em Conquista
que você ficou um dia e uma noite dançando e conversando sozinho aqui
nesse cemitério. Não tem respeito nem com os mortos! Ainda bem que o
povo pensou que você fosse doido e não lhe quebrou na porrada... Já
imaginou?! Estacionar o carro no meio de um cemitério secular e passar a
noite dançando e falando sozinho. Toma uma tenência na vida! E como é
que você abriu aquele cadeado enferrujado?
Depois disso, Custódio nunca mais foi o mesmo. É que de tanto ele
insistir com a história dum casarão que não existia há mais de um
século, os parentes acabaram lhe internando em Barbacena, onde
permaneceu por um ano e, toda vez que sumia, a família já sabia que
iriam encontra-lo em algum cemitério, dançando e conversando sozinho.
Custódio Pé de Valsa ficou sendo o doido oficial da cidade até sua
morte.
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