Atravessando o Xaxado
Nando da Costa Lima Antônio estava sem saber o que fazer, tava pra furar o chão da sala de tanto andar em volta da mesa. Nem comeu de tão nervoso, sabia da necessidade de dar um basta naquela situação. Tinha que marcar um encontro com o capitão de qualquer jeito pra pôr fim naquela conversa que já tava virando fuxico. A sorte de Antônio foi que seu Albano, um senhor respeitado por todos e muito amigo dele, chegou na hora que ele ia cometer a asneira de querer falar com o “home” pessoalmente. Seu Albano Pimpão chegou a tempo, foi um anjo da guarda que mandou.
— Nessas horas tem que ter calma,
Antônio. Se você ficar forçando a barra pra falar com o capitão, só vai piorar
as coisas. Nós dois sabemos que o “home” quando fica retado é uma cancela
aberta de ladeira abaixo. A melhor maneira de acalmar a fera é escrever uma
carta colocando os pingos nos “is”. Eu me encarrego de entregar a carta
pessoalmente.
— O senhor acha que uma carta vai
resolver, seu Albanio? Eu não posso perder essa oportunidade…
— Claro que vai! Você deu foi sorte,
eu nem ia passar por aqui. Resolvi de uma hora pra outra, parece que eu tava
adivinhando que você ia fazer alguma besteira. Você é muito esquentado, nunca
para pra pensar. Eu sei que é coisa de gente jovem, mas vamos maneirar…
— É verdade, eu dei sorte. Já estava
saindo à procura do capitão… Ia acabar passando vergonha em público. Obrigado
mais uma vez, seu Albano. O senhor me salvou, eu ia estragar tudo.
— Não tem necessidade de tanto
agradecimento, somos amigos! Escreve logo essa carta, amanhã cedo eu passo aqui
pra pegar e já levo direto pro capitão. Assim vai dar tudo certo, você sabe que
eu e o “home” somos quase irmãos, nossa amizade tem mais de vinte anos. Deixa
comigo!
No
outro dia, como foi combinado, Albano Pimpão passou na casa do amigo pra pegar
a bendita carta e levar pro capitão. Jurou pro amigo que só voltava com uma
resposta. Antônio, vendo o empenho do amigo, resolveu ler a correspondência em
voz alta pra ver se estava tudo certo:
“Meu caríssimo capitão, antes de
mais nada, peço a sua benção. O motivo desta carta é saber qual a razão de o
senhor ter ficado tão nervoso, mesmo sem saber do que se tratava. Eu tenho
certeza de que estou errado, meu capitão, o senhor é o homem mais direito que
já conheci. O senhor sabe que tem muita gente querendo interferir na nossa
amizade, eles viram que o senhor gostou do meu jeito de agir e ficaram com
inveja, meu capitão. Se tem uma pessoa que eu gosto nesse mundo é o senhor, meu
capitão…”.
Foram
mais de dez páginas pedindo desculpas e elogiando o capitão. Toda frase da
carta ou começava ou terminava com “capitão”. Era uma rasgação de seda que não
tinha fim, cansava. Narrou todo seu relacionamento com o “home” mesmo antes de
ele ficar famosos, e insistiu em deixar claro que detestava fuxico e mentiras,
e blá blá blá… Albano Pimpão cochilou com aquele prosa ruim lendo aquela
chatice. E o sacana ainda era meio gago, era foda! “Ca-ca-capitão”. Teve que
falar que tinha pressa pra entregar a missiva e resolver aquele pequeno
desentendimento. Mandou Antônio lacrar a carta, colocou no bolso do paletó e
saiu quase que correndo, tava com pressa mesmo! Tinha que evitar que o amigo
saísse daquele grupo. Antônio tinha cara de menino chorão, mas era um parceiro
de fé, o capitão podia dar crédito! Até no tempo das “vacas magras” ele já era
amigo. Pimpão rodou muito até encontrar o “home”, foi pra mais de vinte léguas.
Mas promessa pra ele era coisa séria, e tinha prometido que entregaria a carta
pessoalmente: era da mão dele para a do capitão.
Já
estava cansado de procurar, não tinha mais lugar pra ir. Por sorte, na hora que
ele resolveu parar pra descansar, ele encontrou o pessoal todo. Tava tão afoito
que nem cumprimentou os presentes, meteu a mão no bolso e entregou a
correspondência. O capitão abriu e leu umas duas páginas, sacudiu a cabeça
negativamente e pediu caneta e papel pra aproveitar e responder a carta. Seu
Albano se incumbiu de levar a resposta como já se esperava. A resposta foi um
bilhete curto e grosso:
“Prezado aspirante a cangaceiro,
Antônio ‘Duas Voltas’. Quando eu vi você dançando Xaxado sem eu ter dado ordem
pra dançar, eu senti que você é um atravessador que não respeita ninguém e bebe
o ano inteiro. Se assunte! Cabra de sua marca não pode fazer parte do meu
bando”, e assinou: “Capitão Virgulino Ferreira, vulgo Lampião”.
Albano Pimpão
voltou desolado, o capitão também leu o bilhete pra ele antes de colocar no
envelope. Como não queria desencorajar o amigo Antônio, que estava esperando a
resposta, Albano teve que inventar uma história. Não queria magoar o amigo!
Disse que o capitão Virgulino estava cercado por uma volante e ele não teve
como entregar o bilhete. Antônio “Duas Voltas” sentiu que o amigo só estava
botando panos quentes pra evitar o atrito. Se sentiu muito humilhado, ficou tão
retado que entrou pra volante do tenente Bezerra.
Ele agora estava
do outro lado. Cabo Antônio tava pronto pra se vingar dos cangaceiros… E a
caatinga mais uma vez pegou fogo.
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