O NEGACIONISMO É IRRACIONAL E IDEOLÓGICO
Jeremias Macário
Você não pode negar o seu próprio passado, a
sua própria história e suas próprias origens. Do contrário você entra no campo
do irracional. Sobre a história, pode até se questionar pontos e se fazer uma
revisão dos acontecimentos através da apuração deles sob a ótica social,
econômica e política do tempo, analisando as ações e as atitudes dos atores e
dos personagens.
Como ressaltou o professor de História da
Universidade de São Paulo, Marcos Napolitano, em entrevista a um jornal de
Salvador, nos últimos meses surgiu uma onda do negacionismo, impulsionada por
declarações de políticos, a começar pelo capitão-presidente, o Bozó, que sempre
procurou negar a existência da ditadura civil-militar no Brasil dos anos 60 aos
90.
O desconhecimento dos
jovens
Não somente isso, diante de todos os fatos,
testemunhas e estudos, ele cometeu o absurdo irracional de não reconhecer que
houve torturas nos porões das forças armadas, e até homenageou um torturador em
votação no Congresso Nacional. O mais lamentável é que boa parte dos nossos
jovens embarcou nessa, e muitos nem acreditam que existiu ditadura.
Para os negacionistas, que cometem o maior
pecado de negar o conhecimento, não houve holocausto, escravidão, revolução
socialista na Rússia, massacres na Bósnia, nos campos palestinos de
concentração e nem matança dos índios nas Américas, só para citar estes fatos
monstruosos contra a humanidade e que ainda ocorrem na atualidade. Por que a
história sempre se repete? Uma das respostas é porque muitos a desconhecem e
até negam.
O mais perigoso, como alerta o professor
Marcos, é essa negação do conhecimento chegar às nossas escolas, como no caso
da ditadura que torturou, matou e fez desaparecer os corpos de centenas de
presos políticos. A anistia aos torturadores, o que não aconteceu na Argentina,
no Chile e no Uruguai, deixou as feridas abertas e abriu caminho para o
negacionismo.
“Os livros didáticos podem ser diferentes,
mas há um limite que não pode ser cruzado que é a negação do conhecimento. A
pessoa tem uma posição política diante do nazismo e do comunismo. O que não
pode é construir esta posição às custas da verdade histórica” – esclarece o
professor.
De acordo com ele, o professor precisa se
munir de evidências diante das negações. Acredita que uma forma de combater o
negacionismo é os historiadores se comunicarem mais com a sociedade. O termo,
segundo ele, já existe a algum tempo e se refere à historiografia do
holocausto. Na campanha política do ano passado apareceram negacionismos
ligados à história do Brasil, como a de que não houve genocídio indígena, os
portugueses nunca estiveram na África para traficar escravos e não houve ditadura
e tortura.
Trata-se de negação de eventos em que
ocorreram evidências fortes, testemunhais, materiais e documentais. O
ex-ministro gringo da Educação, chegou a declarar que houve uma democracia de
força. É até hilário, porque, se foi de
força,logo deixa de ser democracia. É como o caso de um sujeito irracional que
resolve contrariar só para contrariar. É típico de uma atitude de
extrema-direita.
O historiador Marcos afirma que esta visão de
que toda historiografia é de esquerda é preconceituosa e errônea. Destacou que
a historiografia brasileira tem hoje um leque amplo com liberais, conservadores
e até de esquerdistas que não são marxistas.
“Todo historiador sério
segue regras. Não pode achar que não existiu porque ele não gosta daquilo, ou a
ideologia com a qual ele se identifica não aprova.” O revisionismo clássico é
possível, feito com todo respeito às normas metodológicas da área.
Quando surgem novos fatos, os especialistas
e cientistas revisam o passado. Outra coisa diferente é revisionismo ideológico
– adverte o professor. Ele concorda que houve revisionismo com relação a
ditadura no Brasil.
Chegando nas escolas
Exemplifica que
historiadores progressistas revisaram temas polêmicos que a própria esquerda
defendia, como a participação da sociedade no golpe militar. A esquerda falava
que o golpe tinha sido feito por meia dúzia de militares, alguns políticos e
apoio americano, e que a sociedade entrou apenas como vítima. Hoje se sabe que
houve participação civil.Isso, no entanto, não quer dizer que a ditadura não
existiu.
O professor disse que
esse negacionismo puro e ideológico já está chegando nas escolas. Professores
do ensino básico já ouviram de alunos que esse negócio de ditadura não existiu,
que é uma invenção da esquerda. Como os professores devem lidar com isso? É
mais um dilema no nosso ensino tão deficitário.
Para Marcos Napolitano, o professor precisa
ter muita clareza sobre o que é uma evidência. Por que dizemos que houve
tortura? Porque há testemunhas, documentos, provas e evidências. Quanto a
ditadura, porque tivemos governos que cassaram parlamentares, fechou o
Congresso e governaram à base de atos institucionais, como o AI-5.São
evidências de um regime autoritário. Não dá para chamar isso de democracia.
Caso o MEC interfira na
avaliação dos livros, isso constitui uma forma de pressionar para que se
incorporem negacionismos, não apenas na história. Existe a questão do
criacionismo, que não tem estatuto de opinião científica.“O que não pode é
construir essa posição política e ideológica do negacionismo às custas da
verdade histórica” – argumenta o professor.
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