Morrendo de amor
Nando da Costa Lima
O que atraía a
atenção do pessoal era aquela paixão de dar inveja a Romeu e Julieta, entre
namoro e noivado já tinham passado quinze anos de “ensebamento”. Estavam tão
famosos que até o cego Alomar fez um ABC de Antônio e Nilsimar, todo mundo que
escutava caía no choro! Vicente não podia escutar que desmaiava... Era uma
verdadeira obra de arte! Mas vamos deixar o ABC de lado e entrar direto na
história. O casal, apesar de lindo, era cheio de complicações. Mas não era pra
menos! Uma rua inteira azarando um relacionamento não podia dar outra coisa!
Nesses quinze anos foram inúmeras as vezes que eles entraram em atrito por
causa de fuxico... Um dia só porque Leopoldo da Caçamba deu uma olhada mais
demorada pra Nilsimar, Robertão espalhou na rua que foi ela que tava “se
abrindo” pra Leopoldo por causa do “chevetão”. Antônio pensou em pegar o 38 pra
tirar satisfação, mas tinha vendido a arma pra pagar uma promissória.
A partir desse dia o pessoal já sabendo que o noivo tinha o
pavio curto, toda semana inventava um novo boato com o nome dos pombinhos... Só
que o último fuxico foi muito pesado. Antônio chegou a duvidar do amor... É que
“cumpade” João falou pra quem quisesse escutar que pegou um “lance” de Nilsimar
que deu pra ver até a pereba que ficava dois dedos abaixo da banda esquerda da
bunda, foi essa revelação que levou o apaixonado à duvida! Quantas vezes ele
não fez carinho naquele “sinalzinho”, era tão seu!.. Agora esse assunto se
tornou público. A desconfiança dele causou revolta em Nilsimar, logo ela que
não dava ousadia a moleque nenhum, ser acusada de traição só porque um tarado
viu na hora que o vento levantou sua saia, era pura ignorância! Isso sem falar
na vergonha, a rua toda sabia da verruga. Não restou outra alternativa pra
noiva humilhada, foi o jeito terminar tudo, segundo ela dessa vez era pra
sempre... Tava muito envergonhada... Pensou até em fugir com Geovane Careca só
pra dar o troco à altura.
Depois da separação, o poeta era oretrato da infelicidade.
Até a Jurubeba Leão do Norte que antes era tomada como aperitivo passou a ser
consumida às caixas, só não morreu porque o produto era muito bom, além de “disopilar” o fígado abria o apetite do apaixonado.
Era pirão de bucho de bode e música de Wando o dia todo! A falta da noiva tava
acabando com o homem, era o vigilante mais desligado do mundo! Toda vez que
entrava em serviço dava voz de prisão pra uma escultura de Rogéria Maciel que
ficava na entrada. E o pior é que quando lembrava as coisas pioravam, parecia
coisa feita. A vontade de matar o safado causador daquela intriga não saía da
cabeça do ex-noivo, estava decidido. Se Bilisário Pai de Santo não desse jeito
de reatar seu noivado até o Natal, aquele sacana fofoqueiro causador de sua
solidão iria passar o réveillon no inferno. Ele chegou na casa de Pai Bilisário
todo envergonhado, só a paixão pra levar um católico praticante como ele a
apelar pra magia de terreiro. Só ficou o tempo de copiar a seguinte receita:
“Iôzim pega um gato preto criado por uma viúva há sete anos, mata, enrola numa
cueca usada e depois de sete dias jogue na porta da casa da mulher que você
quer. Se depois de sete dias ela não estiver morrendo de amor pelo senhor, ocê
pode voltar aqui e acabar com a vida desse velho”.
E o poeta saiu do terreiro direto pra casa da primeira viúva
que veio em mente, o primeiro gato que apareceu “dançou”, o resto foi fácil!
Esperou sete dias e jogou os restos do gato (enrolado na cueca usada) na porta
da casa do amor. Viajou logo em seguida, foi pra bem longe daqui, “foi pra lá
do Guigó”. Só queria ver Nilsimar depois de uns vinte dias, apesar de pai
Bilizário ter garantido que bastavam sete dias.
Quando o tempo
venceu (os sete dias de espera), Antônionem passou na casa da mãe, foi logo pra
casa de NIlsimar, tava botando a maior fé na receita do preto velho. Entrou
porta adentro como se tudo já tivesse sido resolvido, só parou com a
interferência da ex-sogra que o abraçou chorando e fez aquela revelação que
arrasou Antônio... Ela mudou o destino do rapaz quando disse aos prantos:
“Minha menina entregou a alma ao criador há dois dia vítima de um tal de
tétano, ela feriu o pé numa carniça de gato enrolada numa cueca velha, o dotô
disse que se fosse vacinada nada teria acontecido... No delírio da febre ela
falou muito de você, parecia até que estava morrendo de amor!”... Hoje ele
passa os dias escrevendo poesia pra finada paixão que morreu de amor... Muitos
moradores mudaram-se da rua só pra não ter que suportar aquela “choradeira”
todo santo dia!..
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