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sábado, 24 de agosto de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CRÔNICA

Torre de Babel

Nando da Costa Lima
Antes só existiam dois partidos para brigar pelo poder, e os eleitores ainda acreditavam nos políticos. A briga era uma só e o motivo também: todos unidos para derrubar o partido da situação. O político tinha que xingar ao máximo para obter a simpatia do eleitorado, e houve muita gente que começou como vereador, foi xingando, xingando, até ser eleito deputado. Mas depois o filme mudou de enredo, e o xingamento caiu de moda, apesar dos personagens permanecerem os mesmos, apenas um pouco mais velhos e com um novo papel a representar. Na briga pra ver quem seria o ator principal houve todo tipo de baixaria. Todos queriam ser estrela quando viram que um filme não se faz apenas com mocinhos. Começaram se a agredir, pois além do papel principal, todos tinham seu próprio enredo. Aí então começou a briga, lembrava a Torre de Babel, todos falavam e ninguém se entendia. O jeito foi cada um construir sua torre, só que as fizeram tão frágeis que vivem mudando de mãos. Mas um dia eles descobrem que para construir algo sólido é necessário que haja união em torno de um objetivo.
Mas o que eu vou contar aconteceu no tempo em que penico tinha tampa. Foi numa cidade pequena, onde como em todo interior da época, possuía um curral eleitoral comandado por um “coroné”. Estes coronéis eram os verdadeiros donos das terras e da vontade do povo, tanto eram que, quando prometiam uma determinada quantidade de votos a um candidato, este podia se contar como eleito. Os coronéis compravam tudo apenas com a palavra, e nenhum comerciante ousava cobrar: eles pagavam quando dava vontade. Num lugar desses apareceu Dr. Anacleto, advogado recém-formado, pronto pra começar uma carreira brilhante.
O Dr. estabeleceu-se nas terras do “coroné” Iôzinho e, por coincidência, no primeiro serviço que pegou o “coroné” estava envolvido. É que um comerciante local tava apertado, precisando de dinheiro e a única forma de conseguir seria cobrando do coroné alguns anos de compras a crédito que ele nunca teve coragem de cobrar. Achou que seria através do Dr. a única maneira de receber seu dinheiro, e propôs ao advogado metade do dinheiro que ele conseguisse receber. O Dr. não perdeu tempo: pegou a conta e foi pra casa do coronel, e depois de muita conversa conseguiu receber. O coronel só pagou porque as eleições aproximavam-se e ele, sem candidato, olhou para o jovem advogado como um futuro afilhado político: aquele daria um bom “deputado de recados”. Sendo assim, pagou a conta e tratou o Dr. muito bem.
O Dr. ficou entusiasmado com aquilo e, não entendendo a jogada do “coroné”, quis dar uma de bom, tanto é que mandou fazer uma placa com letras enormes e mandou pregar na frente do escritório com os seguintes dizeres: ”Dr. Anacleto, especialista em cobranças, principalmente do Coronel Iôzinho”. O “coroné” achou aquilo a maior das ofensas e mandou de imediato dois capangas fazerem uma visitinha ao Dr. Quando este apareceu foi logo amarrado. Felizmente a ordem não era de matar, o coronel só queria dar uma lição no intruso. Mandou arrancar o bigode do Dr. com alicate, fio por fio, e depois de feita a operação ele tinha que sair de casa em casa do vilarejo explicando que aceitava todo tipo de serviço, desde que não mexesse com o coronel. Em seguida, tinha que dar uma declaração no serviço de autofalante elogiando o “coroné” Iôzinho, um democrata de coração. Depois dessa o Dr. foi direto pra casa arrumar as malas, ali não tinha mais clima pra construir sua tão sonhada “brilhante carreira”. Todos concordaram com ele, pois ficou horrível um Dr. com a boca toda inchada sair pedindo desculpas pelo que não fez. E o pior de tudo, segundo um dos jagunços, é que a ordem do coronel não foi dirigida apenas aos cabelos do bigode. O Dr. que o diga, pois teve que ir embora em pé mesmo tendo lugar pra sentar no ônibus.
Mas isso aconteceu no tempo em que “caçola” tinha botões nos lados. Hoje os coronéis mudaram de nome, e ordenam aos homens que se dizem políticos a voltarem atrás com suas palavras de maneira mais civilizada. Tudo se resolve sem agressões físicas, mas fere de maneira absurda o moral dos verdadeiros políticos. Os anos passam, os governos caem, os homens morrem, mas infelizmente a maneira populista usada para obter o poder apenas muda de roupa, ela veste-se de acordo à época.

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