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sábado, 19 de outubro de 2019

CARLOS ALBÁN GONZÁLEZ - CRÔNICA


“Presente de grego”
Carlos Albán González - jornalista
Era o dia 18 de maio de 2011. No luxuoso e prazeroso Hotel Transamérica, em Comandatuba, na Bahia, estavam reunidos alguns dos maiores pesos pesados do empresariado nacional, convidados pela Odebrecht para ouvir uma palestra do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a política econômica dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT). Ninguém poderia imaginar que naquele instante estava sendo “embrulhado” um “presente de grego” de um torcedor de futebol ao seu clube de coração.

Entre goles de uísque importado 12 anos, Lula, que havia completado oito anos na Presidência da República, levou para uma sala reservada do hotel Emílio e Marcelo (pai e filho) Odebrecht. Sem rodeios, na presença de Andrés Sanchez, presidente do Corinthians, pediu que o gigantesco conglomerado construísse, na distante região de Itaquera, em S. Paulo, um estádio para o seu clube, o Corinthians.  

Aquele encontro no litoral baiano aproximava os interesses das duas partes: Lula pretendia ampliar o leque de apoio ao seu partido, visando futuras eleições, abraçando a numerosa torcida do seu “Curintia”, na dicção do petista; a Odebrecht olhava com bons olhos o volume de construções anunciadas pelo governo de Dilma Rousseff, o que incluía as Olimpíadas de 2016.

Mas Lula tinha outros planos, que começaram a ser costurados um ano antes, com a visita do francês Jérôme Valcke, secretário da FIFA, ao Brasil, para inspecionar os estádios que receberiam os jogos do Mundial. Influenciado pelo petista e pelo presidente da CBF, Ricardo Teixeira, que não escondia sua antipatia ao São Paulo F. C., Valcke, que, depois da Copa, acusado de corrupção, foi banido do futebol, vetou o “Cícero Pompeu de Toledo”, o Morumbi, na época, o estádio mais moderno do país, com capacidade para mais de 100 mil pessoas, localizado numa região de fácil acesso da capital paulista.

Estava decretado: o estádio dos paulistas na Copa seria o “Itaquerão”, cujo orçamento inicial de R$ 450 milhões aumentou, no transcurso da obra, executada às pressas (um “poleiro” provisório foi colocado para a partida inaugural, em 14 de junho, a fim de atender uma das exigências da FIFA), para R$ 1,2 bilhão, dinheiro emprestado pelo BNDES e Caixa Econômica Federal (CEF).

No dia 31 de agosto de 2016, a Câmara dos Deputados afastou a petista Dilma Rousseff da Presidência da República. Começava um processo de transição na filosofia política do Brasil, concluído no dia 1º deste ano com a posse do palmeirense Jair Bolsonaro.

Os corinthianos, evidentemente, não esperavam essa drástica mudança  nos gabinetes do governo, em Brasília, incluindo seu torcedor mais famoso, Luiz Inácio Lula da Silva, e o presidente do clube, o espanhol-andaluz e deputado federal (PT-SP) Andrés Sánchez. De um dia para o outro o Corinthians se viu responsável por uma dívida bilionária, reputada pela revista “Exame” como “o maior golpe do dinheiro publico do país”.

“O Corinthians não vai perder o seu estádio”, garantiu Sánchez esta semana numa coletiva de imprensa, ao ser questionado sobre os atrasos, que somam R$ 520 milhões, nos repasses mensais à CEF. Por determinação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o “Itaquerão” foi incluído na Dívida Ativa da União e no FGTS. Os adversários, naturalmente, torcem para que o estádio vá a leilão.   

Fazer parte dessa vexatória lista não é uma exclusividade do alvinegro paulista. Outros nove clubes (Palmeiras, Vasco, Fluminense, Botafogo, Avaí, São Paulo, CSA, Fortaleza e Cruzeiro) da 1ª divisão do futebol brasileiro poderão ter seus bens confiscados pela União. Além do atraso no recolhimento dos impostos federais e das obrigações sociais, estão em dívida com fornecedores e bancos, além das obrigações com a Justiça do Trabalho.

Aos inadimplentes o Congresso acena com o projeto de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), que propõe um programa de refinanciamento das dívidas, mas eles teriam que adotar a estrutura de clubes-empresa, deixando de ser associações sem fins lucrativos, sendo transformados em sociedades anônimas ou limitadas, e facilitando o acesso de acionistas, nacionais e estrangeiros. A transição é opcional.

“Não se trata de um perdão das dívidas”, explica o parlamentar, “mas de construir um acordo entre credor e devedor, que seja bom para todos”. Ao migrarem para o novo modelo, os clubes poderão usar o Refis para parcelar suas dívidas em até 240 prestações. Também terão direito a ingressar com pedidos de recuperação judicial. O projeto deixa claro que as associações devedoras precisam contar com a boa vontade dos credores das áreas cível e trabalhista.

Único representante baiano na divisão de elite do futebol brasileiro, o Bahia acumula hoje dívidas em torno de R$ 147 milhões, herança deixada por um regime ditatorial que durou 25 anos. Considerado hoje pela imprensa esportiva nacional como o clube mais democrático do país, o tricolor baiano, sob a presidência de Guilherme Bellintani, vem colocando em prática um processo de recuperação administrativa, financeira e esportiva, obtendo resultados importantes.

Fernando Schmidt, primeiro presidente eleito com os votos dos associados, recebeu em 7 de setembro de 1913 um clube desestruturado, mergulhado em dívidas, a maioria na esfera trabalhista, resultado de salários não pagos no passado a técnicos, jogadores e funcionários.

O Bahia conseguiu através de um acordo com o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-BA) renegociar a enorme dívida trabalhista, a fim de não sofrer penhoras e bloqueios judiciais. Mensalmente, o clube repassa ao TRT R$ 600 mil. O Bahia está entre os 14 representantes da série “A” que aprovam o modelo proposto de clube-empresa.

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