DELIRIUM TREMENS
Nando da
Costa Lima
Como todo dono
de boteco, só tinha uma coisa que Damião gostava mais que aumentar as contas da
freguesia e fuxicar, era a birita! Vendia uma e bebia duas, já estava naquele
estado em que o tornozelo fica parecendo um pilão. Mas era uma cachaça tranquila,
não enchia o saco de ninguém..., a não ser sua mulher que toda noite acordava
com ele aos gritos pedindo pra tirar a cobra de cima da cama. Marinalva já
estava acostumada, nem abria os olhos, sabia que aquilo não passava de
alucinação de pinga. Ela até tentou leva-lo ao médico, mas ele recusou
terminantemente, pegaria mal confessar pra um médico que estava tendo
alucinação, logo ele um comerciante de bebidas, além do mais seria o fim de
linha pra sua fama de bom bebedor, era melhor conviver com a cobra imaginária
que suportar as gozações dos amigos. Mesmo assim ela conseguiu uma consulta em
casa com uma psicóloga, a doutora examinou o “bebum” e
deduziu “que o paciente em questão teve uma transição desconexa do Id
pressionando o Ego e desencadeando uma Cobrafobia crônica, o réptil já havia se
instalado no inconsciente do paciente, causando um transtorno bipolar
psico-cobrófico, um caso raríssimo.” Ninguém entendeu nada que a doutora falou
e a cobra continuou aparecendo, ela até crescia... parar de beber nem pensar! O
homem gostava tanto do álcool que passava as horas de folga fazendo
experiências etílicas. Pra ele se não existisse álcool, o mundo morria de
tristeza. Já imaginou um carnaval sem cachaça?
Depois de anos
convivendo com aquela agonia noturna, Marinalva decidiu dar um ultimato pro
marido, tinha cansado de carregar aquela “mala”. Daquele dia em diante, ou ele
parava de beber, ou ela ia embora. Deu o prazo de 48 horas pra ele se decidir,
já estava de saco cheio daquela cobra. Ficaria na casa da mãe até ele resolver.
Caso ele se decidisse pela birita, ela mandaria buscar os filhos. Damião nesse
dia tomou todas, tava tão carente que pediu ao filho mais velho aos prantos que
dormisse ao seu lado para aliviá-lo dos delírios noturnos. E foi graças ao
rapaz que o casamento de Damião foi salvo... É que nessa noite, seu filho matou
uma cascavel enorme que passeava por cima da cama do pai. Marinalva quase
endoidou quando soube, conviveu tanto tempo com aquela cobra pensando que não
passava de alucinação de bêbado. Damião ficou tão alegre que triplicou a
cachaça e Marinalva tomou gosto pela pinga depois do problema resolvido. Foi
nas ondas do marido e largou até o emprego de professora pra dedicar tempo
integral ao copo, bebia de igual pra igual com o maridão.
Hoje, três anos
depois do ocorrido, nós estamos aqui no velório de Marinalva (que morreu de
cirrose hepática) escutando Damião contestar o atestado de óbito e jurar de pé
junto que quem matou sua mulher foi uma sucuri com mais de 20 metros, que
ultimamente vinha saindo de dentro do guarda-roupa, ele tinha certeza que
Marinalva morreu foi de susto, a bicha parecia um dragão, só não tinha asa.
Desta vez resolveram chamar um neurologista pra examinar Damião, mas doutor
Tolentino se recusou, argumentando que aquilo era problema do IBAMA. Este órgão
por sua vez mandou um memorando explicando que não tinha armadilha pra pegar
alucinação. E o interessante é que de cada dez amigos de copo presentes no
velório, nove já tinham visto a sucuri descrita pelo viúvo...
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