A TRAGÉDIA DO TAMANDUÁ (1895)
Nando
da Costa Lima
Foi tiro pra
todo lado, o pipocar das balas chegava a ferir a consciência de quem estava a
léguas de distância...
Foi num tempo onde os coronéis usavam os
clavinotes para a lei conforme suas ideologias, um mal necessário para as
comunidades perdidas nos sertões, sem eles a lei do mais forte prevaleceria de
maneira mais acentuada. Com o poder concentrado nas mãos tornavam-se
verdadeiros reis medievais e nada ocorria nas suas regiões de origem sem suas
aprovações, isto é, quase nada. Quando a briga era entre famílias que os
apoiavam eles simplesmente assistiam, aí a razão não tinha lado...
O desentendimento começou depois que
uma vaca do coronel foi encontrada morta, na fazenda Pau de Espinho que
pertencia à viúva Lourença de Oliveira Freitas. Afonso Lopes acusou os filhos
da viúva de terem matado o animal. Após essa desavença houve uma briga delescom
o genro do Coronel, que saiu em desvantagem. Isto deu fim a uma velha amizade,
que se não era das mais amáveis também não era hostil. Aconteceu em 1893 na
região de Belo Campo... Quando Afonso Lopes brigou com Sérgio, ele ainda não
era autoridade no cargo que correspondia ao de subdelegado. Mas quando assumiu
não vacilou em usar da autoridade para tirar a limpo suas diferenças com os
filhos da viúva, foi como autoridade que tirou a vida dos dois irmãos na
presença da mãe e esta sua atitude gerou uma das mais sanguinárias vinganças de
família da história do Brasil.
Dona Lourença amarrou os corpos dos
filhos nos dorsos de dois animais e os conduziu por mais de dez léguas, até a
entrada do cemitério de Conquista. Lá pronunciou a frase que ecoou por várias
décadas na região: “Vocês mataram meus filhos, se quiserem enterrem senão comam”.
Calixto, um dos filhos da viúva, não
disse nada quando viu os irmãos mortos, se retirou do povoado. Pouco tempo
depois de sua partida surgiu o boato que ele estava reunindo homens para vingar
os irmãos. A família do Coronel Domingos começou a se precaver esperando o revide,
foi mais de um ano de tensão... Que Calixto vinha tentar se vingar o Coronel
tinha certeza, só não imaginava que ele viria com todo aquele poder de fogo,
seus homens vieram dispersados. Calixto chegou às terras do Coronel na
madrugada, pela manhã o casarão da fazenda Tamanduá estava cercado. As mulheres
e as crianças já haviam saído do cerco sobre a garantia de Calixto que nada
aconteceria e o tiroteio com os que ficaram entrincheirados na sede começou...
Foi um dia e meio de fogo cerrado, até que resistiram muito tempo, apesar de
estarem bem armados, não esperavam uma reação tão bem planejada, eram quase cem
homens armados. O Coronel quando viu os recursos de defesa ficarem escassos
resolveu se entregar com todos que se encontravam na casa, na esperança de
poupar algumas vidas. Mas Calixto estava determinado,
quando tomou o casarão, eliminou todas as vinte e duas pessoas da família do
Coronel Domingos Ferraz. Inclusive ele e seu genro Afonso Lopes, este último
foi decapitado a golpes de foice... Os corpos ficaram expostos no lugar da
tragédia, os parentes temiam uma represália a quem fosse enterrá-los. Só depois
da interferência de pessoas neutras na briga é que foram sepultados ali mesmo
onde tombaram. Do que sobrou do casarão incendiado os anos se incumbiram de
demolir. Calixto saiu da região, seu
objetivo já tinha sido alcançado. Dos jagunços trazidos por ele a maioria ficou
(outra grande tragédia), supõe-se que teriam sido contratados pelos coronéis da
região ainda receosos com o fato. Esta briga entrou pelo tempo e durou até a
década de 40 causando muitas mortes, inclusive a do próprio Calixto que morreu
numa emboscada num povoado do norte de Minas Gerais. Ainda bem que o tempo,
este mago que faz desaparecer as marcas deixadas no espaço, se encarregou de
apagar todos os vestígios da rivalidade entre os descendentes dos personagens
desta tragédia secular.
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