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sábado, 14 de julho de 2018

NANDO DA COSTA LIMA - CRÔNICA

O Trapezista Voador
            NANDO DA COSTA LIMA
A cidade estava alegre, tinha tempo que não aparecia um circo. E pra completar, trouxe junto Raio, o Trapezista Voador, a sensação do momento. Era aplaudido de pé em toda cidade que passava. Era alto e forte, usava uma malha preta desbotada, uma capa verde enfeitada com raios dourados (a maioria despencando) e um tênis conga branco. A mulherada delirava quando o Trapezista Voador aparecia no picadeiro, teve até caso de desmaio! A meninada enlouquecia, era uma gritaria só. Todo mundo sonhando em “ficar grande” pra virar trapezista “avuadô”. Ninguém queria ser palhaço, dava até briga... O trapezista Raio reinou absoluto, era convidado pra todo acontecimento da cidade: casamento, batizado, velório. E ele era maniento, só comparecia nos eventos com o traje que o fez famoso. Isso até acontecer a tragédia que o levou ao abismo da birita e, consequentemente, a abandonar uma brilhante carreira. Aconteceu que Deolinda, filha do dono do circo, fugiu com o sacana do palhaço Mangangá. O Raio Voador se entregou de corpo e alma à cachaça. Foi isso que causou aquele incidente terrível...
Foi num domingo nublado, ninguém notou que o trapezista voador tava bêbado. Tinha se alimentado bastante pra curar a cachaça, ia fazer uma apresentação especial para os ilustres da cidade. Na hora que ele subiu no trapézio, parecia sóbrio e firme, a plateia nem notou o estado do artista. O efeito contrário da pinga só veio a acontecer depois da terceira pirueta que ele deu no ar, deve ter misturado tudo no bucho... Seu Erivelton deu o primeiro alerta: “Parece que tá chovendo macarrão com môi”. Quando acabou de falar, o trapezista terminou de despejar a rajada de vômito, melando todas as autoridades presentes. O sacana tinha comido uma bacia de macarrão número seis ao sugo, até a miss da cidade foi atingida. A coitada passou a mão no cabelo, cheirou e confirmou aos gritos: “É gumito!!!”. E o sacana deu sorte: quem tava assistindo arremessou várias cadeiras nele, mas não pegou nenhuma. Mesmo assim, quando ele pulou na rede e desceu pro picadeiro, o pessoal pegou ele de porrada que só faltou matar. Só não tomou uns tiros graças à interferência do delegado, que o levou preso pra evitar uma tragédia maior. É que o cachorrinho da mulher do dotô morreu engasgado com a dentadura do trapezista, piorando a situação.
Mesmo depois de ser espancado e preso, o trapezista voador não se conformou com a fuga do palhaço. O homem ficou louco. Logo ele, a atração principal. O circo ia falir se perdesse o palhaço Mangangá e o astro que voava ao mesmo tempo. Teve que cancelar a apresentação em Poções. O empresário circense já tinha mandado procurar a sua filha Diolinda em tudo que é canto, mas ninguém dava notícias dela e do palhaço fujão. Teve um sujeito que encontrou com eles lá em Sompaulo, numa pensão.
Com o circo em crise, todos os funcionários passaram a se preocupar com a cachaça do trapezista, ele era o único que podia salvar a situação. Fizeram de tudo para que abandonasse o copo. Como o problema era a fuga do palhaço com Deolinda, todo dia eles arranjavam uma possível substituta. Mas Raio não tinha olhos pra ninguém, já acordava com um litro de pinga na mão e só bebia no gargalo! Teve quem achasse que era feitiço, deram até um banho de pipoca com sal grosso e arruda, mas não adiantou de nada. Pra tirar cachaça de artista, só “rezadô” especializado.
Passaram-se seis meses quando Deolinda reapareceu de repente, estava já pra parir e sozinha, ninguém nem perguntou pelo palhaço. O circo já tinha até um substituto. Os outros artistas e a meninada foram logo avisar ao trapezista que ela tinha voltado. Ele, quando soube, engoliu três conhaques e saiu correndo, todos que estavam no bar foram atrás para ver o reencontro tão esperado, tinha até gente chorando de emoção. Agora o trapezista “avuadô” recuperava e voltava a encantar o público com suas piruetas mortais. Quando Deolinda apareceu, ele nem notou o barrigão, foi logo perguntando desaforadamente: “Cadê o palhaço Mangangá???”. Quando ela contou sua triste história, todos ficaram sabendo que Mangangá tinha morrido atropelado em São Paulo...O Trapezista Voador colocou as mãos na cabeça como se quisesse arrancar os cabelos, e ficou 12 horas desmaiado. Depois que acordou, nunca mais falou em trapézios nem picadeiros. Trocou o circo pela pinga.
E a meninada ficou retada por ter perdido o herói, ninguém mais queria ser o trapezista “avuadô” quando crescesse. Todo mundo queria ser o palhaço Mangangá, que fugiu com a filha mais bonita do dono do circo. Se alguém chamasse o outro de trapezista “avuadô”, era caso de sair na porrada.

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