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segunda-feira, 20 de abril de 2020

VALDIR BARBOSA - CRÔNICA

Cipreste. Para Ronaldo Pinto

Valdir Barbosa
Quando o filho de Seu Zoroastro descia, logo cedo, em rápidas passadas, a Rua Coronel Gugé, para abrir a loja herdada do pai e fundada há mais de oitenta anos, antes que acessasse o famoso Beco da Tesoura era possível ver bigode farto que escondia um sorriso enigmático, próprio dele mesmo. Em verdade, durante muito tempo, a Casa Cipreste foi local onde se comprava eletrodomésticos e realizava conserto de ferros elétricos, época na qual, não eram praticamente descartáveis tais utensílios.   
Sua rotina diária, de segunda a sexta e nos sábados, pela manhã, consistia na atenção aos clientes, muitos deles fidelíssimos, aos quais, durante décadas serviu com distinta educação, traço da sua polidez admirável. Às vezes, nos hiatos da atividade laboral era possível vê-lo sentado num banco, costumeiramente postado quase em frente ao seu estabelecimento, em longas conversas triviais, com velhos amigos frequentadores do lugar. 
Os assuntos, via de regra caminhavam na esteira das novidades do dia a dia interiorano, da política local, estadual e nacional, do esporte preferido pelos brasileiros, o futebol, não sendo exceção tal favoritismo nas plagas conquistenses, afora, em tempos das vitórias memoráveis dos irmãos Nogueira, Minotauro e Minotouro, ícones mundiais do MMA.   
Na época de Naldo e Piolho, dias em que o time da cidade brilhou nos gramados de toda Bahia, a euforia era contagiante na cidade serrana, portanto, a confraria do Beco da Tesoura também embarcava na energia do entusiasmo, frente as vitórias do Conquista, mas, se diga de passagem, nem mesmo no apogeu dos filhos de Ninha Brito, os gêmeos Zó e Kel, sobrinhos da figura de quem trato nestas saudosas linhas, futebolistas que brilharam nas canchas, dentro e fora do estado, as manifestações efusivas daquele homem extrapolaram limites.   
Sim, porque personalidade de educação esmerada, fino trato, voz firme, mas comedida, jamais, desde quando pude conhecê-lo, no crepúsculo dos anos setenta consegui testemunhar qualquer postura desregrada, atitude deselegante, desrespeitosa, agressiva, ou destemperada, por parte dele, mesmo nos momentos de lazer e festa, nas horas de folga, mormente, às memoráveis tardes de sábado, ou manhãs de domingo daqueles tempos idos.   
Arrisco dizer, desafiando a memória desse quase septuagenário, tê-lo conhecido através do menestrel Chico Viola, Iris Silveira, rei da voz das alterosas baianas. Posso também ter sido apresentado a ele por Chico Preto, Chico das Joias, personagem a quem vi muitas vezes, na casa Cipreste, numa daquelas vezes que passei por ali, ainda muito jovem.   
Tenha sido levado conhecê-lo diante de qualquer um dos dois “chicos”, ou outra qualquer pessoa a quem olvido, a lembrança destes citados, me remete a toda sensibilidade escondida naquela aparência circunspecta de Ronaldo Pinto, circunstancia emergindo nos acordes da gaita que trazia escondida, entre os bolsos das calças largas que costumeiramente vestia.
Naquele tempo, não mais que de repente, enquanto a voz esplendida de Chico Viola reverberava no espaço onde privilegiados se encontravam para ouvi-lo cantar, muitas vezes percebi, entre os presentes, Chico Preto aos prantos, na força da sublimação daqueles momentos, quando a ocasião ganhava contornos mágicos, pelos tons melódicos do instrumento pequenino, se agigantando nos sopros e inspirações – de ar e alma – brotados da gaita tocada por Ronaldo.   
Ontem, pelas redes sociais e notícias vindas através de amigos comuns soube da passagem deste ente fraternal. Viajei nas reminiscências, até o Beco da Tesoura, ao restaurante de Dalva, ao Casarão, de Jaime, ao antigo Pisa na Fulô, de Wilson – pai de Glauber, meu afilhado -, ao Taquara, à Pousada da Conquista, ao Varandá, ao velho Aerobar, cantos, onde os encantos de nosso convívio estão presentes até hoje no meu juízo, sem desprezo de outros tantos não ditos e fui dominado pela força avassaladora da saudade.    Preso em Salvador, não pude levá-lo a última morada, nestes tempos de exceção, por conta da pandemia creio imponderável fosse possível fazê-lo, mesmo aí estivesse, porém, nada me impediu e impedirá de continuar a vê-lo sorrindo de forma leve e breve. Consigo ouvir nitidamente os acordes do instrumento que tocava com doçura, na certeza de que aqueles “franciscos”, outras e outros que lhe amam e o precederam no além, estão pavimentando a estrada etérea que agora lhe serve de esteira.
Amigo. Cipreste, cujo significado pode remeter a luto, tristeza habita em nós, agora, na dor da ausência física, porém, confiando que a vida transcende, tenho por certo, aquelas árvores que margeiam caminhos iluminados, onde agora cuidas de andar estão viçosas e verdejantes lhe servindo de baliza e companhia. Cipreste sempre foi e será o seu destino.
Salvador, 18/19 de abril de 2020
valdir barbosa

sexta-feira, 10 de abril de 2020

RICARDO DE BENEDICTIS - POESIA

SONETO À MINHA MUSA !
Os poetas confiscaram as musas dos músicos gregos, dedicadas ao teatro cantado...

Ricardo De Benedictis – 08-04-2020

Seria demais prever
Que me queiras pretender
Seria demais, bem sei,
Que esta Musa que sonhei

Resolvesse, até que enfim
Confessar amor por mim
Pois ela não me conhece
Mal sabe  quanto me aquece

Sua meiguice catita,
Que exala tanta ternura,
E toda essa candura

Nas palavras que dedica,
Diretas ao coração
Deste velho campeão!

quarta-feira, 8 de abril de 2020

JEREMIAS MACÁRIO - CRoNICA

O ANO PERDIDO QUE NOS SEPAROU,
O SÃO JOÃO E O DIA DO JORNALISTA
Jeremias Macário 
 As imagens televisivas que correm o mundo mais parecem cenas de filmes de ficção apocalípticas no ano perdido que nos separou do convívio entre as pessoas, principalmente as mais próximas, amigas e até parentes. Não sabemos até quando tudo isso vai continuar, quando ainda os especialistas da saúde e cientistas falam em picos e milhões que podem ser contaminados.
 Os noticiários, muitos deles até exagerados e sensacionalistas, as fake news, muitas das quais carregadas de intrigas políticas no Brasil, e toda essa gente mascarada em silêncio, de passos lentos, mantendo distância, fazem milhares penetrarem na sombra do medo, do pânico e do terror, quando é um grande mal para a mente.
Exercite a mente
Tanto quanto os cuidados com o corpo, ou até mais ainda, nessa crise de pandemia, a mente sadia, preparada e equilibrada é essencial para enfrentar esse quadro tão adverso da humanidade.Acredito que a leitura é um dos remédios que qualquer médico e psicanalista recomendariam.
    Muitos entram em ansiedade e passam os dias em casa clicando redes sociais, ligados na televisão, ou comendo para passar o tempo (quem tem o que comer), o que piora mais ainda o estado geral. Outros poucos aproveitam para ler, escrever, realizar uma atividade física ou exercitar a sua arte, o que é benéfico para fortalecer o espírito e o organismo.
  A situação mais grave ainda é dos pobres das periferias, dos informais, desempregados, ambulantes e trabalhadores temporários que têm que se preocupar com a questão da falta de dinheiro e com a possibilidade de serem também contaminados. São os mais vulneráveis que pedem um socorro urgente. Aliás, em qualquer tragédia humanas, são as maiores vítimas.
  Não consigo entender como numa ocasião tão grave como esta, tem gente interesseira para se aparecer na mídia quando faz uma doação, e oportunistas para cometer fraudes, falsificações, passar fake news, aumentar preços dos produtos essenciais e furtar dos mais carentes.
  Um grupo se juntou na BR-116 para doar quentinhas para os caminhoneiros. Não que seja contra, mas esta ação teria mais valia se fosse revertida para aqueles que estão, de verdade, passando fome porque perderam suas atividades informais do ganha pão. O caminhoneiro tem o seu valor nesse momento, mas está ganhando seu dinheiro e tem muitas condições de se virar. Não seria querer se aparecer demais? É a minha opinião. Enquanto isso, os governantes falastrões e demagogos cruzam os braços.
Sem o nosso São João
De um assunto para outro, mas dentro da mesma abordagem, talvez na história do Nordeste, onde a festa é bem mais forte, este ano seja o único em que não haverá o São João, tão esperado pela grande maioria que ama o evento, para brincar, dançar, soltar fogos, acender fogueiras, tomar quentão e licores, curtir as quadrilhas e ouvir o forró pé de serra numa autêntica sanfona, zabumba e triângulo.
  Como vão ficar as maiores cidades de Campina Grande, Caruaru, Aracaju, em Sergipe, e as cidades baianas de Piritiba, Amargosa, Senhor do Bonfim, Santo Antônio de Jesus, Cruz das Almas, Alagoinhas e tantas outras que passam o ano todo se preparando para receber multidões de vários lugares, até do estrangeiro?É uma pena, mas tudo leva a crer que não teremos a tão sonhada festa do ano!
Eu mesmo vou ficar com muitas saudades, porque todos os anos sempre estou no aconchego da minha querida Piritiba, como amigos (olá Wilson Aragão) e parentes tomando umas geladas, uma cachacinha e comendo aquelas deliciosas comidas nas casas de Roquinho, Róssia, Diltão, João Rico e Leucia (olha aí a farofa d´água). Depois era só seguir o caminho da Praça Getúlio Vargas para forrozar.
O Dia do Jornalista
Para finalizar, o 7 de abril foi o Dia do Jornalista e, para não variar, nenhum veículo de comunicação tocou no assunto, ou fez qualquer referência à data. Em 50 anos de profissão, não tenho nenhum receio de dizer que não tenho nada a comemorar. Primeiro, o Supremo Tribunal Federal tirou a obrigatoriedade do diploma, e até o governo de esquerda tentou amordaçar a imprensa.
  Agora veio o capitão-presidente para desclassificar os profissionais com seus xingamentos e preconceitos, esse mesmo fantoche e marionete dos generais, que deixou o pais sem comando nessa crise. Derrubou até a exigência do registro, e hoje qualquer um é jornalista, basta fazer uns textos vagabundos e cheios de erros nas redes sociais.
  Infelizmente, nosso sindicato e a Federação Nacional dos Jornalistas entraram em decadência. Podem não concordar com minha opinião, mas é o que sinto. A profissão é nobre e fundamental para a democracia, mas não se faz mais jornalismo como antigamente.
Aqui em Vitória da Conquista, a mídia deixa muito a desejar, com matérias copiadas, requentadas, incompletas e mal elaboradas, mesmo depois da criação da Faculdade de Comunicação em Jornalismo pela Uesb –Universidade Estadual do Sudoeste, em 1998, que muito contribui para seu fortalecimento, quando era diretor e vice-presidente do Sindicato. Desculpem a sinceridade!