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sábado, 28 de dezembro de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO

COMPATIBILIDADE
Nando da Costa Lima
O prefeito de Remosopólis se espreguiçou na poltrona, deu um peido, coçou o saco, cheirou os dedos, resmungou que tava carente de um bom banho e ordenou pro secretário:
— Pode começar, merda. Tô com pressa.
— Tá bom Dr., eu vou ler as fichas e o senhor escolhe o nome:
Zé Tenório. Mais de dez acusações de estelionato, facilidade pra fazer amizade com políticos de alto escalão. Tenório topa qualquer parada e é advogado formado não sei onde, só não tem a carteira da OAB.
Manoel Silva, brasileiro solteiro, atira com as duas mãos, mas prefere trabalhar com a peixeira lambedeira herdada de seu avô, que foi cangaceiro (a peixeira é usada só como talismã). Formado em administração, Manoel é especialista em extorsão em chantagem. Também gosta de cantar em karaoke música de Wando.
Rodozino Ferrão, brasileiro desquitado, começou sua brilhante carreira ainda jovem como dedo-duro, em 1964, e graças à sua habilidade ficou famoso no meio pelo requinte das torturas que usava. Apesar da idade avançada, Rodozino formou-se em psicologia e ainda continua na ativa. Freudiano ferrenho, o único defeito é a fama de tarado.
Jonas Bigode, brasileiro divorciado, conhecedor de todo o tipo de falsificação, tendo preferência especial pelo dólar. Jonas conseguiu formar-se em sociologia, e apesar de nunca ter exercido a profissão, fez fortuna contrabandeando cigarro do Paraguai para o Brasil, uma bela história! E nunca foi preso. Para todos os efeitos, é ficha limpa. Seu hobby é colecionar caçola: não pode ver um varal que ataca.
— Pronto Dr., já li todas as fichas, só falta o senhor escolher. A não ser que o senhor tenha algum nome.
— Escolher o quê, porra? Você tá endoidando? Eu não tenho nada haver com ocorrência policial, eu sou político, e não polícia. Isso é pro indulto de Natal? Tem até ladrão de caçola!
— Mas isso não é ocorrência policial não, seu prefeito, são os currículos dos candidatos do nosso partido, pedindo para serem avaliados pra representar a cidade no encontro com o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara, que vai ocorrer na capital federal.
— Não é possível! Você deve estar brincando...  E a lei da Ficha Limpa? Eu sei que não precisa ser tão limpa, mas aí já tá demais. Esses parentes da minha mulher vão acabar me complicando.
— E são todos aparentados do senhor.
— Então não pode, aí eu vou praticar nepotismo.
— Não, são afilhados. Parentes da mulher do senhor. A primeira dama tem mais de 100 primos. Ô família grande! A maioria é ex-modelo...
— É por isso que não tem um que presta. Quer dizer que nosso partido só tem esse tipo de gente? Esses parentes de Eleutéria eu só deixo entrar lá em casa assobiando e batendo palma. Lá na prefeitura eu não deixo passar da cantina, só tem cobra criada.
— Não, seu prefeito. Tem pior. Esses são os que passaram na peneira. É claro que o apadrinhamento contou um pouco. Mas afinal de contas, o senhor e Dona Eleutéria são padrinhos de todo menino que nasceu aqui nos últimos 30 anos.
— É, o jeito vai ser escolher um merda desses. E porque não manda Zé Canário? O homem é poeta e gosta de passarinho.
  Se o senhor fizer isso, o pessoal dos Direitos Humanos vai cair em cima. Zé é criador de canário de briga, tem até uma rinha de galo.
— E o que tem isso? É um esporte como qualquer outro: briga de galo, vaquejada. Faz parte da nossa cultura. Pra se acabar com os galos de combate, só usando um método nazista: o extermínio. O ataque é instintivo, ninguém ensina nem tira, eles nascem combatendo.
— É esporte na cabeça do senhor que vive nos anos 40. Se o senhor fosse um homem antenado ia estar sabendo que isso é proibido e dá cadeia.
— Eu nem imaginava que uma briguinha de galo fosse problema pra político.
— Pois é problema, e um problema seríssimo. Se o senhor botar um criador de canário de briga pra ir numa reunião dos Direitos Humanos em Brasília, o senhor tá lascado!
— Já que você, que eu tenho como o meu melhor assessor, só faz botar defeito nas pessoas que eu indico, então fale o nome de um.
— É simples: Dona Marcolina, minha cara metade, que é diretora de colégio e psicóloga. Nesses cargos de confiança, tem que ter compatibilidade. Eu já disse e torno a repetir: se o senhor insistir com esse negócio de colocar um criador de canário de briga, e dono da rinha, pra chefiar a comitiva, o senhor não se elege mais nunca… Pode esquecer a carreira. É a mesma coisa que colocar um incendiário na presidência do IBAMA. Já basta os brigadistas que botam fogo nas matas e depois recebem pra apagar, segundo os jornais.
— Mas isso foi provado que é mentira. Só fizeram rapar a cabeça dos meninos, e eles são tão gente boa que nem reclamaram.
— Tem certeza?
            Em vez de responder, o velho político colocou a mão na testa e comentou com os olhos cheios d’água:
— É verdade! Esse negócio de ficha limpa tá acabando com a política tradicional, saudades dos “bons tempos”... Hoje não se pode nem dar uma carteirada. Até eu que sou chefe político, posso ser preso por qualquer besteira e vou ter que comer comida de presídio.
            O secretário, sensibilizado, quis amenizar:
— Não é assim também não, seu prefeito. Os políticos estão bem acima do resto da população, eles têm esse negócio de mil investigações para serem intimados. Pro cidadão comum, basta um soldado dar voz de prisão que vai preso como “meliante”. Aí lascou, é cadeia. E se quem efetuar a prisão for de cabo pra cima, o cidadão tá fudido mesmo, basta ter tomado uma… Ladrão de merenda escolar já tem outro trato, chega de Mercedes e o advogado vai buscar de BMW, é outro nível! E dona Eleutéria nunca iria deixar o senhor comer “boia” de cadeia.

sábado, 21 de dezembro de 2019

NNANDO DA COSTA LIMA - CONTO


DOLORES E O LOBISOMEM
Nando da Costa Lima

       Antes da televisão colocar o Brasil todo pra se comportar e vestir igual, as famílias eram fechadíssimas. O patriarca, por mais safado que fosse, mantinha o moral de pai de família exemplar, educava os filhos com a maior rigidez. As moças da época passavam aperto, “se perder” naquele tempo, era a pior das aventuras, eram expulsas de casa restando-lhes como opção de sobrevivência, a prostituição. Os sedutores, ou fugiam pra São Paulo ou morriam. Mas nem por isso as coisas deixavam de acontecer, e pra que não houvesse expulsão de casa, nem morte dos Don Juan, eram inventadas as desculpas mais descaradas. Na maioria dos povoados, as moças quando pulavam a cerca, colocavam a culpa no tarado, isto livrava a cara de muita donzela assanhada, era só falar que o autor da proeza tinha sido um tarado que a família além de ficar com pena, mandava logo a moça ir estudar no Rio, lá o povo era mais aberto. Aqui em Conquista a culpa sempre era do tarado que se escondia no matinho da Escola Normal. Este, por sinal, nunca foi encontrado.
       Esta história do tarado só colava num lugar de movimento, em Pedra Cinza, uma cidade pequena e de gente ordeira, não dava pra jogar a culpa no tarado, lá só tinha homem respeitador. Para as moças, aquilo era péssimo, era tão ruim, que elas só casavam virgens. Isso até aparecer Joana, foi ela a primeira a dar o golpe. Engraçou-se com Pedro do açougue, e acabaram indo ver o por do sol no muro do açude, gostaram tanto, que ficaram pra ver o sol nascer. No outro dia chegou em casa aos prantos, chorou o dia todo, o painotou que tinha alguma coisa errada e mandou a mulher investigar. Foi aí que começou a história do lobisomem, Joana, acostumada a escutar caso de assombração desde criança, quando se viu perdida no interrogatório da mãe, largou: “foi um lobisomem, me pegou lá no muro do açude”. A mãe tomou um susto, mas mesmo assustada continuou: “Como lobisomem? Você não tem um arranhão. Só chupão no pescoço, este lobisomem era banguela?”. Mas Joana bateu pé firme e contou todos os detalhes para a mãe, a velha, como profunda conhecedora de aparição, matou logo a charada: era um lobisomem tarado, só pensava em sexo. Desse dia em diante, o lobisomem todo mês dava notícia. Já tinha mais de 15 moças morando no Rio. E ele era eclético, pegava qualquer uma, independente de raça, cor, religião ou idade.
       Quando Dolores Armengue ficou sabendo do lobisomem insaciável, não perdeu tempo; mudou-se pra Pedra Cinza. Ela era uma das pessoas mais desprovidas de beleza que já pisou na terra; ninguém encarava. Já tinha rodado o país inteiro atrás de um tarado; era só saber que tinha algum atacando, que ela fazia de tudo pra ser uma das vítimas, só que ninguém encarava. Já era conhecida por “Dolores espanta tarado”; era tão feia, que só dava pra localizar o rosto, graças aos óculos fundo de garrafa. Mas dessa vez, tudo indicava que seu sonho viraria realidade; 45 anos de virgindade, botava qualquer uma pra babar na fronha. Quando soube que o lugar preferido do lobisomem era o murinho do açude, armou barraca lá mesmo. Os dias iam passando, e nada de lobisomem aparecer, ela já tava pra endoidar. Numa noite de lua, aconteceu; o povo da cidade só escutava os gritos e os gemidos, parecia que daquela vez tinha dado certo, tudo indicava que ela havia agarrado o lobisomem.  Dolores foi embora no outro dia. Quase ninguém a viu partir, mas os poucos que viram, notaram que apesar de toda arranhada e com marcas de dente pelo corpo todo, seu jeito era de pura satisfação; tava na cara que tinha conseguido o que mais queria.
      O povo da cidade que ficou divido: os mais velhos, até hoje acreditam que ela manteve relações com o lobisomem. Os mais novos, que inventaram a história, ficaram sem entender, nunca iriam imaginar que aquilo se tornaria realidade. Mas quem não entendeu nada, e até hoje não pode ver uma saia que sai correndo, além de nunca mais caçar pros lados do açude, foi o cachorro perdigueiro de seu Pedro, aquela tarada quase mata o bichinho, perdeu até o faro...

sábado, 14 de dezembro de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO

Tocaiaram até o destino

Nando da Costa Lima
— Tu viu, cumade Deuzita?
— Vi o quê? Tá vendo assombração de dia?
— Não, é que eu vi o cauã cantando ainda agora, no pé da gameleira que secou depois que caiu um raio em cima… Passou por todas as três árvores, mas só cantou na gameleira seca. Isso é sinal ruim, tô toda arrepiada. Vou pegar um galho de arruda pra colocar na orelha. Sangue de Jesus tem poder, vamos rezar 13 credos de trás pra frente ajoelhadas numa mão de pilão.
— Pra quê essa mão de pilão, comadre?
— Tem que ter sacrifício. Dá força à oração!
— Larga de besteira, cumade. Deus não gosta dessas presepadas. Vamos orar em silêncio. Quem pensa no mal, atrai o pior.
Os jagunços só esperaram a Semana Santa acabar… Estavam em três, um trio que já tinha dado fim em tanta gente que dava pra encher um cemitério. Esse pessoal tinha por ofício eliminar o próximo, era um meio de vida como outro qualquer (segundo eles). O mais velho deles já não tinha mais onde colocar marca no cabo da “papo amarelo”: cada vida abatida era uma marca. Ele era um cabra de pouca conversa. Os outros dois eram bem mais novos, estavam naquela empreitada por já terem provado a competência em outros serviços. Eram ótimos atiradores. Era uma família! Eles estavam de tocaia desde cedo: o velho atrás de uma moita no lado direito; os outros ficaram do lado esquerdo, de frente pra curva. Não tinham como errar, era só ter paciência. Eles fizeram até uma aposta pra ver quem pegava o primeiro. Coisa de pistoleiro! Tinha que ser de “bate pronto”, a vítima tinha que cair da montaria já sem vida. Isso era como uma marca de um bom matador.
Foi na primeira semana depois da sexta-feira da paixão, o povoado fazia gosto… Tinha escola, água potável, correio, era uma belezura! Não tinha um menino fora da escola, e o coronel Napoleão Ferraz incentivava o povo a se instruir. Ele prezava o trabalho comunitário e criou cooperativas pra incentivar os pequenos proprietários. Um sujeito progressista e empreendedor que achava que só se crescia se o povo crescesse junto. E aí surgiram casas de farinha, criatórios de gado e de caprinos, tudo tendo o coronel como principal associado. Para um povoado baiano ter este nível de desenvolvimento, só com um dirigente que apostasse no trabalho coletivo. E foi com estes benefícios sociais, incluindo o trabalhador rural no mercado como cidadão, coisas que os coronéis da época jamais incentivariam. O coronel Napoleão Ferraz, naquela época, sabia que a educação era a base de tudo. O povoado já respirava o ar do progresso, e ele, sentindo isso, passou a incentivar os festejos populares, sabia que aquilo era cultura. O coronel era respeitado não só em Belo Campo, e conseguiu esse respeito sem o uso de armas, tão natural pra época. Os coronéis mais respeitados eram os que tinham maior poder de fogo, mas o coronel Napoleão desprezava isso. Sua visão humanista não permitia manter um bando de jagunços.
O jeito do Coronel de Belo Campo conduzir as coisas já estava incomodando os outros coronéis das redondezas. Não podiam deixar que ele dominasse as massas apenas com ideias práticas, aquilo era um perigo! Querer igualar as pessoas, para os coronéis, não era coisa de gente. E a cada investida em benefício do povo, ele atacava os pontos principais: fome, educação, moradia, etc. Quanto mais aumentava a sua popularidade, mais os coronéis ficavam irritados. Estavam pra estourar… Em todo canto só se falava do Coronel de Belo Campo, até na capital do estado! E quando Napoleão foi condecorado pelo governo federal como chefe dos coronéis do Sertão da Ressaca, foi o estopim. O governo, sem querer, jogou pedra no vespeiro que ficava na passagem do coronel. Se fosse para eles terem “chefe” algum dia, eles mesmos escolheriam. Nunca iriam admitir uma ordem que não fosse vinda do governador. Abaixo do governo do estado, só eles! Jamais aceitariam ordens do Coronel de Belo Campo, mesmo este sendo contemplado pelo governo federal. Era a inveja falando alto.
Dona Edeuzita tava catando andu na porta de casa quando apareceu um sujeito e puxou conversa:
— Boa tarde, dona. A senhora mora aqui há muito tempo?
— Não, senhor. Vai fazer um ano que estou aqui, vim quando soube do Coronel do Povo, o homem que criou este povoado e tudo de bom que tem nele.
— Esse homem então deve ser muito respeitado. Ele já é velho?
— Não, o coronel Napoleão ainda tá novo, o bigodão ainda não tem um fio de cabelo branco. É um anjo de Deus.
— Mas só por isso a senhora acha que o homem vai virar santo?
— O senhor devia calar a boca e escutar sem interromper. Deixa eu contar só um pedaço da vida dele que o senhor vai tirar o chapéu e me dar razão. Este homem fez de tudo… escola, cemitério, correio, estrada pra Conquista. Pro senhor ter uma ideia, aqui ninguém mora de aluguel. Tudo planejado por ele.
— Quer dizer então que esse homem, do nada, fez uma cidade com gente e tudo? Tem polícia também?
— Ô, menino. Eu tô achando que você tá mangando de mim. Eu tô fazendo um favor e você ainda vem com essas gracinhas. É melhor parar. Deixa eu terminar de catar meu andu que a freguesia tá chegando.
— Calma, Dona Edeuzita. Me desculpe. É que fui criado solto no mundo e às vezes me comporto mal, mas não é por vontade minha. A senhora, que é uma mulher mais escolada, vai saber perdoar este peão analfabeto que só está de passagem por esse lugar bonito. Por favor, termine de contar a história do coroné.
— O coroné fez tudo que prometeu. Tudo no povoado está correndo bem, a alegria se nota na cara dos moradores, tá todo mundo alegre e confiante. Mas agora fui eu quem ficou curiosa: tem mais de uma hora que o senhor tá aqui e nem perguntou o preço do andu… Só fez perguntas. Eu vou logo avisando, o povo daqui é ordeiro, mas é brabo. Se o senhor estiver mal intencionado, é melhor pegar a estrada. Quem muito pergunta é porque está querendo alguma coisa.
— Não é nada disso, eu sou um simples viajante. Meu tempo aqui é curto, já estou com o pé na estrada. Depois de hoje, a senhora nunca mais vai me ver.
Dona Edeuzita ficou encafifada com aquela prosa o dia todo, chegou a ficar arrepiada. Aquele homem, apesar de simpático, tinha jeito de quem não valia nada. Ficou ainda mais impressionada depois que soube da notícia, ainda comentou com Salú do Mingau:
— Tem uns três dias que passou um homem na frente lá de casa que quis saber tudo sobre o coronel Napoleão. Eu pensei que fosse gente da capital… Agora sei que não era. Aquele perguntador safado com os “ói” de bode na taca deve ter sido o pé de tôco que matou o coroné e o irmão. Miserável, um homem até bonito. Ainda bem que eu não dei ousadia… Agora deve tá longe.
E em seguida falou: “Cala-te boca”.
Do lado esquerdo da estrada, um dos cabras aprumou a mira no sujeito que vinha do lado direito e desceu o dedo. Deu cinco tiros certeiros, queria impressionar o velho jagunço. Este, que estava mais distante, precisou dar só dois tiros pra derrubar o irmão do coroné. Nem reclamou com o novato por ter disparado tanto tiro, deixou pra lá. O serviço tinha sido limpo: no meio de tanta gente, só pegaram os alvos! Ademais, quando tinha a idade dele já havia descarregado muita repetição em encomenda, fazia até aposta pra ver quem furava mais o defunto. Chegou até a puxar conversa, o que não era normal… Ele perguntou pro rapaz que disparou os cinco tiros como é que ele sabia que tinha atirado no coroné. O rapaz falou que uns dias antes da tocaia, ele foi no povoado e conversou com uma velha que vendia andu. Foi ela quem falou que o coronel tinha o bigode grosso…
E desceram em silêncio, na direção do Verruga.

sábado, 7 de dezembro de 2019

NANDO DA COSTA LIMA - CONTO

No Cine Madrigal

Nando da Costa Lima
Fica pra lá de onde se possa imaginar, é longe…, muito longe! É saudade…
Eu estava matutando no passado de minha Conquista e acabei descobrindo que nós  nunca tivemos um lugar fixo para ter saudade, cada geração teve seu ponto de encontro, e isto vem de muito tempo, desde o Gato Preto até a Praça do Gil. Teve um tempo que a grande onda da rapaziada da terra dos mongoiós era ficar sentado na curvinha do amor, ali aconteceram grandes flertes (paqueras). Todo “playboy” que se prezasse tinha que ficar pelo menos uma hora por dia plantado na curvinha do amor que nada mais era que uma das esquinas do Jardim das Borboletas (Hoje Tancredo Neves), onde Aurelino vendia o seu famoso acarajé. Este ponto teve vida curta!..  Outro lugar que marcou época foi a alameda Ramiro Santos, não sei porque o pessoal achou de fazer dali uma passarela, era de segunda a sexta depois das seis horas. Muito sapato “Motinha” foi gasto subindo e descendo aquela alameda como se estivesse procurando alguma coisa…, o movimento acabava rápido como começava…, talvez até querendo alertar que a vida era bem mais que aquilo… Muito tempo depois o pessoal começou a frequentar a Praça do Gil, eu até falei na época que a pracinha lembrava uma adolescente provinciana pronta a se soltar ao primeiro acorde de um trio elétrico. Não sei porque a pracinha se apagou de uma hora para outra. Talvez devido ao crescimento da cidade.
 Mas o que marcou mesmo toda minha geração foi a primeira sessão do Cine Madrigal. Segundo o Aurélio, Madrigal quer dizer “Galanteio”, e apesar de quase ninguém saber disso, o cinema era usado como um verdadeiro salão de galanteio, mas tudo na maior pureza do mundo! A gente passava a semana toda ensaiando a possível cantada que ia dar na “menina” na primeira sessão do Madrigal, era concorridíssima! O pessoal de sapato novo fazia questão de chegar mais cedo para sentar na primeira fileira e exibir o “cavalo de aço” com mais “naturalidade”. A mistura de perfumes impregnava o salão, ficava um cheiro enjoativo…, mas aos olhos do adolescente magrelo e desengonçado, tudo era lindo…! Principalmente naquele domingo que ele, depois de muito tempo criando coragem, conseguiu marcar um encontro com a menina que há meses vinha lhe tirando o sossego, estava nervosíssimo…, foi o primeiro a chegar, sentou-se na primeira fila e ficou esperando com o coração na mão…, ela chegou atrasada, o filme já tinha começado, imaginei que fosse por timidez!  Entrou tateando segurando a mão de uma amiga, por coincidência sentou-se ao meu lado, meu coração quase saiu pela boca, tava mais emocionado que vereador quando recebe abraço de governador. Pensando que ela estava me enxergando quase me manifestei…, só não o fiz porque antes da minha tentativa ela cutucou a amiga e falou confidencialmente: “Tomara que aquele magrelo cabeçudo não me encontre, se ele sentar perto de mim eu vou embora”. Saí despistando pra não ser notado, fiquei tão traumatizado que só fui arranjar uma namorada dois anos depois, e por obra do destino foi no Cine Madrigal…
Em memória do Sr. Nivaldo Araújo