“NO ARMÁRIO DO VATICANO – PODER, HIPOCRISIA E
HOMOSSEXUALIDADE”
Jeremias Macário
Depois da Inquisição,
iniciada no século XII, e da Reforma há mais de 500 anos, a Igreja Católica
Apostólica Roma volta a protagonizar e a vivenciar sua maior crise de sua
história contemporânea, com os escândalos de pedofilia (abusos sexuais de
crianças e menores), atos de corrupção (desvios de recursos), resistências e
divisões às mudanças em seu seio, intrigas no poder e muita hipocrisia dos
prelados, padres, bispos e cardeais homofóbicos e, ao mesmo tempo, homossexuais dentro
e fora da Cúria.
Sem o sentido de ódio e
declarando não ser, em momento nenhum, anticlerical, o escritor Frédéric Martel
publicou o best-seller do New York Times, “No Armário do Vaticano – Poder, Hipocrisia
e Homossexualidade” (Editora Objetiva), uma verdadeira devassa explícita das
práticas abusivas e escandalizantes perpetradas, principalmente, pelos homens homofóbicos
e retrógrados que cercaram e serviram aos papados de João Paulo II e Bento XVI,este
o maior inquisidor dos tempos modernos, que fracassou em todos os seus movimentos
antigays, contra os casamentos homossexuais e o aborto.
Ler o livro “No Armário do Vaticano” é
entrar e conhecer as entranhas dos “pecados”, das mazelas e traições cometidos
pelos que se dizem representante de Cristo e da Igreja na terra. É vivenciar de
perto a prior crise de sua história depois da Reforma. É acompanhar a
decadência e sentir a morte lenta da Igreja, a partir de personagens terríveis,
promíscuos e hipócritas, como o Ângelo Sodano, o padre Macial Maciel, Tarcísio
Bertone, Afonso Lopez Trujillo que chegou a fazer acordos com narcotraficantes,
entregando sacerdotes para o sacrifício e torturas, entre tantos outros, que
deixam católicos estarrecidos, envergonhados e revoltados. São verdadeiros
desvirtuadores da doutrina cristã.
CONTRA O CELIBATO
O cardeal Ratzinger
(Bento XVI), por muito tempo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé
(antiga Inquisição), sentenciou e humilhou com castigos vários padres por suas
ideias mais avançadas (Teologia da Libertação), como o peruano Gustavo Gutierrez,
Leonardo Boff e o frei Beto. Cercado de homofóbicos, como o cardeal Sarah
(livro contra o celibato), colocou a Igreja numa rota de colisão com os
movimentos LGBTs, os divorciados e até muitos católicos de visão mais aberta.
Para elaborar o livro, que deve ser lido por
todos, não somente pela comunidade católica, o autor se aprofundou numa
reportagem investigativa que durou quatro anos (entre 2015 a 2018), com várias
viagens para a Itália e mais de 30 países. Foram realizadas 1500 entrevistas,
sendo 41 cardeais, 52 bispos, 45 núncios apostólicos, onze guardas suíços e
mais de 200 padres católicos e seminaristas, para a feitura da obra de 500
páginas. Para apurar informações, chegou a se hospedar no interior do Vaticano
e em residências extraterritoriais da Santa Sé.
De acordo com o
escritor, “No Armário do Vaticano” se baseia em fatos, citações e fontes
rigorosamente exatas, com a maior parte das entrevistas gravadas (400 horas de
gravações). Frédéric teve ajuda de uma equipe de 80 colaboradores. Seu editor
Jean-Luc Barré acreditou no trabalho e ele fez um agradecimento às suas 28
fontes internas da Cúria Romana, “todos assumidamente gays comigo”. O livro foi
defendido e liberado por uma quinzena de advogados.
“Além da mentira e da
hipocrisia generalizadas, o Vaticano também é um local de experiências
inesperadas: constroem-se lá novas formas de vida em casal; novas relações
afetivas; novos modos de vida gay; tenta-se formar a família do futuro;
prepara-se a aposentadoria dos velhos homossexuais” – analisa o autor, que
ainda classifica cinco perfis de padres, como a “virgem louca”, o “esposo
infernal”, o modelo da “louca por afeto”, o Don Juan falsificado” e o modelo
“La Montgolfiera”.
A “virgem louca” segue o código dos filósofos
católicos Jacques Maritain, François Mauriac e Jean Guitton, e de alguns papas
recentes homossexuais homofóbicos, que não são praticantes, mas adeptosda linha
do amor platônico.Escolheram a religião para não cederem à tentação; e a batina
para escaparem à sua orientação.O “esposo infernal” é o padre “não assumido”,
ou em dúvida, mas consciente de sua homossexualidade e com medo de vivê-la. A
“louca por afeto” tem sua identidade. O “Don Juan” não pode ver um rabo de
calça. O modelo Montgolfiera é o da perversão que tem redes de prostituição, os
tipos cardeais indecentes Alfonso López Trujillo, da Colômbia, de Ângelo
Sodano, de Platinette, do padre Macial Maciel, do México e tantos outros da
Cúria.
João Profiro mandou chamar o cumpade Neca com um recado que
chegou a assustar o cumpade rezadô. O vaqueiro nem desceu do burro: — Acode, Seu Neca. Teu cumpade João tá nas últimas, só o
senhor pra rezar a barriga dele pra mode ele poder evacuar. O home tá sem
peidar e arrotar desde ontem, parece coisa feita.
— Mas eu já falei pra parar com aquela ignorância de mandar
cozinhar uma galinha só pra ele e outra pro resto da casa. Vai acabar quebrando
o bucho, aí não tem reza. Eu já tô perdendo a paciência!
— Mas dessa vez não foi galinha não, Seu Neca. Foi um bode…
— Ele comeu um bode sozinho? Se foi isso, tá fudido!
— Não, ele comeu só metade e deu a outra pra família.
Quando o amigo chegou, João já tinha queimado até vela, e o padre
também já devia estar a caminho. O vigário era mais tranquilo, sempre ia
dar a extrema unção já sabendo do que se tratava. Mas o cumpade Neca já
tava cansado, era quase todo dia aquele homem chorando e pedindo por
“rezação”. E olha que ele já tinha explicado pro amigo que homem de bem
como ele, que tem o corpo fechado e lê o livro de São Cipriano, não
morre assim. Antes ele apaixona pela ex-mulher (se tiver), ex-namoradas,
até a mulher atual ele começa a tratar bem. E o cumpade João nunca teve
essas manifestações. Seu Neca explicou que ele tava com 65, que não
podia tá fazendo essas extravagâncias. Mesmo assim, benzeu a barriga do
amigo, fez o mesmo com uma garrafa da legítima Jurubeba Leão do Norte e
bebeu toda com o cumpade. Antes de terminarem, Profiro já estava
apresentando melhoras.
Quando já estavam na segunda garrafa do vinho milagroso, o cumpade
Profiro já tinha ido ao banheiro duas vezes. Fedeu a casa toda, mas isso
o rezadô resolveu queimando chifre de boi com mastruz. Eles já estavam
jogando baralho quando o padre chegou fingindo estar preocupado. O dono
da casa foi logo acalmando:
— Tá tudo bem,Seu Vigário. Eu tomei umas duas Jurubebas e
resolveu na hora…
O rezadô ficou
ressentido e tentou completar a resposta do cumpade:
— A bebida e a reza!
O padre não
gostou, mas deixou pra lá. Acabou entrando na jogatina depois que sentiu que
Dona Carmela tava preparando um ensopado de leitoa. Alí agora só depois da meia
noite. O padre depois da terceira começava a entregar tudo que ouvia no
confessionário. Isso fazia o anfitrião dar risada e o seu cumpade ficava
sabendo de tudo que se passava na cidade. Era só anotar as conversas do padre e
a receita já ficava pronta pra no caso de procurarem ele. Era fácil: Dona
Rosinete, por exemplo, confessou que tinha pulado a cerca com um sobrinho, mas
que já tava arrependida. Quando ela procurou o rezadô, ele já tinha uns banhos
pra afastar o amante e um incenso de cocô de capivara seco pra sufocar o ciúme
do marido. Nesse espaço de tempo, ele procurava o amante e falava, como amigo,
que ele devia desaparecer pois o ofendido já sabia e estava tramando pra mandar
ele pro inferno… Assim ele foi pegando fama não só na cidade, mas em toda a
região. E o dinheiro nessas horas entrava a galope: Seu Neca já era
proprietário, engordava até boi… Graças à cachaça do padre e à gula do cumpade.
Mas agora ele já tava mais rico que o
cumpade e achava uma ofensa ter que acordar nas carreiras pra ir benzer a
barriga daquele filho da puta! E o pior que tinha mais meia dúzia que praticava
o mesmo pecado, a gula! Era uma canseira. A esposa de Neca já estava morando na
capital, não aguentava mais aquilo. Era quase todo dia, tinha que passar o ramo
na barriga de um e tomar pelo menos uma garrafa de Jurubeba com o cliente. Pela
Jurubeba a patroa tinha ficado, Neca só andava em ponto de bala. O problema era
ter que acordar quase toda noite pra ir cuidar da barriga de guloso. Foi o
jeito mudar pra Salvador. Aquilo tava matando o rezadô, era apaixonado pela
mulher. E não era pra menos, Dona Wanderleia era uma mulher linda! E tava só em
Salvador…
— Você sabe que em cidade pequena a diversão do povo é falar
da vida dos outros.
— Não é assim também não, Maneca. Lá em Conquista mesmo,
ninguém tá aí pra vida de ninguém.
— Mas Conquista não é roça. Aqui não, os fuxiquentos marcam o
dia da feira pra falar de tudo que se passou na cidade na semana. Já têm até um
ponto.
— E você vai ficar ligando pra esse bando de desocupado? Faz
isso não, cumpade. Se você mudar pra Salvador, como é que a gente faz?
— Eu venho de seis em
seis meses e já deixo as garrafas do vinho composto rezada contra indigestão!
— É, pelo visto você já tá resolvido. Não adianta insistir.
— Eu cansei, cumpade. Não quero fazer mais nada, é muito
cansativo. Se você soubesse a trabalheira que dá pra rezar uma “espinhela
caída”, isso eu não faço mais nunca. Já jurei com a mão no livro de São
Cipriano que nunca mais faço essas coisas….Tirando suas caixas de Jurubeba,
cumpade Profidio, eu não rezo mais porra nenhuma. Já tô morrendo de saudade de
Wanderleia.
— Tá certo, cumpade, coqui amansado com comprimido não pode
dar solta…
— O que o cumpade quis dizer com isso?
— Nada não, eu quis alertar ao amigo que a cumade é muito
nova e bonita pra ficar só em Salvador.
— Só não, na casa da tia. Só de primo ela tem mais de 10 para
tomar conta. Ninguém encosta!
— É, Neca. Nesse caso, você tem que ir o mais rápido
possível…
— Mas cumpade, tudo você leva pro lado maldoso. Na família de
Wanderleia, priimo é igual irmão.
— Tá bom, cumpadee. Mas é melhor você não perder tempo. Daqui
pra capital é chão. Isso se você der sorte e pegar a Marinete até Poções, de lá
só caminhão pode te levar. Ônibus só passa domingo, e só passa cheio.
Passou umas
duas horas, chegou um menino “nas pressa” e fala pro rezadô que a madrinha dele
mandou ele ir lá agora rezar uma espinhela caída. O rezadô já tinha tomado
todas e tava se queixando pro cumpade que a coisa mais cansativa era rezar uma
espinhela caída… Foi aí que o rezadô desabafou, nem levou em conta que era um
menino.
— Fala pra sua madrinha pra ir procurar rezadô na casa do
caralho.
E continuou a
prosa, comendo e bebendo com o amigo, era uma espécie de despedida… Mas o dia
não era dos melhores. No fim da tarde, o peru já tava assado e dividido quando
chegaram dois homens armados e lá de fora chamaram o reazadô. Só fizeram bater
palma… Profiro saiu pra ver quem era, os cabras se apresentaram e ele entrou
apressando o amigo rezadô.
— É pra você, vai logo que é caso de vida ou morte.
— Vida ou morte merda nenhuma, já viu espinhela caída matar
alguém?
— Mas foi aquela senhora que tem uma fazenda lá pras bandas
de Belo Campo, é ela que tá precisando dos serviços do cumpade.
Aí o rezadô
amarelou e curou a cachaça na hora, foi logo arrumando a maleta. Pediu um
paletó e uma gravata emprestados ao cumpade. Se ele não atendesse aquele
pedido, seria realmente um caso de morte! Neca já saiu explicando pros
jagunços:
— Foi o merda do menino que não soube dar o recado, se eu
soubesse que era pra ela eu já tava lá. Cadê o meu burro que eu não tô vendo?
Vocês esqueceram de trazer um animal pro rezadô se locomover?
— Não, senhor. A madrinha mandou o senhor tirar a botina, o
contato do pé do rezador com a terra vai proteger o caminho e clarear as
ideias. Ela disse que o senhor tem que chegar lá bem leve pra prestar bem os
serviços.
Neca Rezadô
olhou pro sol, olhou pros jagunços, tirou a botina e falou:
— Pra uma mulher bondosa daquela eu vou até em Sompaulo
andando, Belo Campo é um pulo.
Quando eles
chegaram na casa, a madrinha fez cara de quem tava com dó. Mandou os meninos
colocarem água fresca numa bacia pro rezador aliviar o cansaço, deu até um
refresco de tamarino pra ele matar a sede. Quando ele começou a se recuperar da
viagem, ela falou no pé do ouvido dele:
— Depois da rezação, Cirilo Ranca Tôco vai acompanhar o
senhor até a casa do caralho, eu tenho que ficar sabendo onde é…
Aí o rezadô caiu como se fosse
desmaiar, mas continuou com os olhos abertos, só que não falou mais nada e não
mexeu nem um dedo. Tava na cara que tinha travado de medo, ficou esquisito, o
olhar perdido… Só gemia um pouco quando via a cara da dona da casa, um gemido
agudo e sofrido que só parava quando ela saía do seu campo de visão.
Tiveram que acomodar o paciente numa
carroça, a madrinha fez questão de que um dotô formado constatasse que foi
doença e já mandasse um atestado junto ao enfermo. O doutor foi claro:
— Está constatado que foi um AVC.
E explicou pros presentes que AVC era
um enfermidade no cérebro, pode acontecer com qualquer um. Não tinha nenhum
hematoma que confirmasse agressão física. Os jagunços entregaram o pacote
completo, paciente e atestado médico. A madrinha fez questão de explicar pros
jagunços que deveriam reunir o pessoal da vila e dar o atestado pra uma pessoa
ler em voz alta pro resto dos curiosos, ela tava farta de fuxicos e cansada de
ser relacionada à violência. Só que o jagunço “Tô na Moita” quis impressionar
uma das moças presentes e, antes que abrissem o envelope com o parecer médico,
falou com ar de entendido:
— Pois é, pessoal. O rezadô comprovou que, nesse mundo, quem
tem cú tem medo… Mas o dotô disse que foi “ABC no célebro”.
Isso evitou muita conversa à tôa. A
maioria do pessoal nem ficou pra ouvir a leitura do exame. O povo já tinha
achado um milagre ele ter voltado vivo depois de um recado desaforado daquele.
Alguns chegaram a pensar que os cabras tinham cortado a língua e as juntas do
indivíduo. A explicação de “Pedro Tô na Moita” foi providencial, ninguém mais
ficou com dúvida.
É muito choro e ranger de dentes nos
noticiários diários da nossa mídia, com lágrimas de idosos riscados pelas rugas
da dura vida nas filas do INSS a rogar, piedosamente, pelos seus justos direitos
de aposentadoria e outros benefícios negados. Neste país das castas privilegiadas
que vivem em suas mordomias, o povo escravizado só leva pau na moleira.
Nos corredores dos
hospitais, nas matrículas nas escolas, nos cadastros para montar uma barraca no
carnaval e nas matanças violentas das balas perdidas, nos assaltos dos bandidos
e na truculência desvairada militar, são outros vales de lágrimas. São gritos e
sussurros engasgadosque pedem por justiça.
Os apelos angustiados e
lamentosos sempre são dirigidos a Deus, como se Ele fosse o responsável por
todos as mazelas, os erros dos homens e as tiranias do poder aqui praticadas
neste pedaço de terra paradoxal onde quase nada funciona. Aqui são cometidos os
maiores absurdos e ilegalidades, como se tudo fosse normal.
Se existe o livre arbítrio,
creio que Deus não tem que se meter nessa maluca bagunça de atos cruéis de
injustiças, para resolver os problemas que não foram criados por Ele.O ser
humano sempre está na contramão, agindo na direção da contradição e da
incoerência, e tenta enganar a si mesmo, como se não fosse de nada culpado.
Só sabe em tudo citar o
nome do Supremo, na maioria das vezes, em vão, até em jogos de azar, nas
loterias da vida e no futebol, quando vence, ou quando rouba descaradamente.
Sempre existe aquela máxima do foi Deus que assim quis, especialmente saída da
boca de fanáticos lunáticos fundamentalistas.
O humano agride gananciosamente e com usura capitalista
o meio ambiente que, por sua vez, responde e dá o troco merecido, mandando
catástrofes, tragédias, devastações e mortes. Ai, metem Deus no meio, e os
sobreviventes agradecem sua proteção, como se eles fossem
os únicos eleitos inocentes, e os outros os escolhidos do Diabo, que vão para o
fogo do inferno.
Enquanto o povo leva pau na moleira todos os
dias, e é levado para o mourão das chibatas no lombo e na alma escravas, os
poderes legislativo, judiciário e executivo nadam em dinheiro e curtem suas
orgias, com privilégios de três meses de férias nababescas com seus
supersalários, sem contar o que corre por fora. Essa banda, que é o próprio
Estado oligárquico, ainda reclama que ganha pouco e merecia ter mais aumentos.
Faltam recursos para contratar mais
servidores para o INSS, para a compra de medicamentos aos doentes, para aparelhar
os hospitais, para pagar uma remuneração mais digna aos professores e equipar
escolas, para provir de saneamento básico metade da população que vive em
favelas e periferias, convivendo com esgotos a céu aberto, mas nunca falta
verba graúda para o Congresso Nacional, para as assembleias legislativas e para
as quase seis mil câmaras de vereadores inchadas e entupidas de assessores que
nada fazem.
O povo brasileiro só leva pau na moleira, se
sujeitando ao trabalho escravo (milhões padecem no purgatório da informalidade)
e às humilhações dos patrões, com baixos salários atrasados e, muitas vezes,
sem direito a férias e outros benefícios. Ainda assim comete a burrice de se
dividir, brigar entre si como inimigos ferrenho de morte, cada um defendendo
seu canalha, seu ladrão e seu usurpador do poder.
Cada um vive a sua
individualidade mesquinha, vegetando enquanto tem um dinheirinho no bolso para
tomar umas geladas nos bares, ir a uma festa, comprar um carrinho com
prestações a perder de vista, e só reage quando sofre na pele uma injustiça
social, uma violência ou uma falta grave de atendimento à saúde, devido à
ausência do Estado. Ai, então, o cara aprende a engolir o choro da amargura, e
até entra em depressão, abreviando a vida.
O mesmo povo que só leva pau na moleira, é o
mesmo que acredita em falsas notícias de que as coisas estão melhorando, e que
a ele está reservado um futuro promissor. Levanta as mãos aos céus na espera que
de lá caia uma graça divina. Entrega as injustiças a Deus. Nunca aprende a
lição e repete festivo sua fé, de dois em dois anos, na boca da urna, crendo
ser o dia mais importante de um ato de cidadania. Passa o tempo e ele continua
levando pau na moleira.
Minha mãe tinha comprado meu primeiro velocípede… Eu estava passeando
na porta da igrejinha e parei pra escutar aquele homem gordo que vivia
elogiando Pedral, tinha muita gente em volta quando ele disse na maior
altura que o Prefeito era comunista, o exército tinha as provas; o padre
mandou ele ir falar de política na porta do batalhão, ali não era
lugar! Eu corri pra casa e disse pra Dida que tinha um homem falando
que “Zé Pedral” era comunista, ela ficou retada e disse que devia ser
algum safado vira folha, aí que eu notei que o homem gordo daquela vez
não estava elogiando! Fiquei sabendo no mesmo dia que comunista era
vermelho e gostava de comer criancinha, esta revelação me intrigou: Zé
Pedral não era vermelho, disso eu tinha certeza! Eu estudava na escola
de Tia Lícia, sua primeira esposa, e das vezes que ele entrou lá deu pra
ver que era branco. Quanto ao churrasco de criança, disso eu não podia
ter certeza.. .Da terceira vez que indaguei sobre comunismo me cortaram
definitivamente falando que política era coisa de gente grande e dava
cadeia. Mas por mais que eu tentasse aquilo não me saia da cabeça…,
fiquei mais confuso ainda quando fui com meus pais buscar J. Pedral, ele
tinha sido solto. Não dava pra entender porque prenderam o homem se
todo mundo da cidade gostava dele, nem porque soltaram já que era um
comunista. Mesmo na dúvida não perguntei nada, era coisa de gente
GRANDE.. .mas ficava sempre ligado nas conversas dos adultos, uma vez
eu escutei um político cassado falar pra meu pai que Castelo era um
bosta. Lembro-me que gostei de escutar aquilo, acho que foi porque ele
tinha cassado São Jorge, um dos santos preferidos de Dida, a imagem que
eu tinha de Castelo era a pior possível! Mas quando o avião dele
explodiu fiquei com pena, achei até ruim quando soube que aquele
político cassado tinha soltado uma caixa de foguetes pra comemorar.
Pensei que a revolução tinha morrido com Castelo, aí meu irmão mais
velho falou que o exército continuava mandando. O exército passou a ser
o vilão da minha infância. Além de ter prendido o marido de minha
professora, cassou o São Jorge de Dida e o Cosme e Damião de minha mãe.
Em nossa casa raramente se falava de política, meu pai evitava, eu
imaginava que era porque médico tinha que tratar e ser amigo de todo
mundo, até de comunista! A visita que eu mais gostava era seu Gilberto,
nosso vizinho, ele sempre comentava sobre a revolução, segundo ele o
exército jâ tinha tomado “as rédeas do poder”, sô uma revolta popular
podia conter aquele processo. Eu não entendi bem aquilo, mas uma vez eu
vi o dono da venda falar pra um freguês na hora que ele passou pela
porta -“Aquele ali se fudeu com a revolução”. E isso quase me fez levar
uma surra, é que um dia logo depois que seu Gilberto saiu lá de casa,
eu virei pra minha irmã e falei crente que tava abafando “Esse aí se
fudeu com a revolução”. Dida me deu um beliscão e ameaçou contar pra meu
pai caso eu repetisse; Vô Almirante tava na hora e não falou nada, eu
senti que ele deu as costas só pra não rir em minha frente. E mais uma
vez me pediram pra parar com aquela bobagem de revolução, política era
coisa de gente GRANDE…
O tempo passou, e do menino que andava de velocipede e estudava
pré-primário na época da revolução só ficou a famosa foto que todos
tiravam sentados na escrivaninha de Tia Lícia folheando um livro e
tendo ao lado um globo terrestre e a bandeira brasileira. Vieram os
filhos, e hoje quando eles procuram explicação para a situação atual do
país. Dessa revolta sem líderes nem partidos. Não tem como deixar de
imaginar: Se as forças cujo dever é manter a ordem e proteger nossas
fronteiras resolverem punir os vândalos e unirem-se às concentrações
passivas reivindicando junto a eles??? Seria coerente que nossos
politicos de direita, de esquerda e até os que ficam em cima do muro, ao
invés de aproveitarem da situação, analisassem esta probabilidade com
mais veemência, sem esquecer que democracia não é só um termo para ser
usado em frases de efeito ditas em palanques. Deixa a politica de lado
“minino”, politica é coisa de gente…
E João Carne Seca, o “Canhotinha de Ouro”, que batia falta como
ninguém e não perdia um gol do meio de campo pra frente nunca mais irá
sair de campo carregado pela torcida… Foi operar de fimose e, não se
sabe porque, amputaram seu pé esquerdo. Erro médico, errar é humano
(Quem inventou esse ditado popular deve ter sido a mãe de um médico).
Foi aí que Pedrão “Três Bago” (irmão de “Carne Seca”) ficou puto e
desabafou: “Também, a gente entra num hospital e encontra um cidadão com
roupa de médico, pose de médico, estetoscópio pendurado no pescoço, as
enfermeiras bonitas chamando o sacana de doutor, a gente acaba botando
fé. Só que de médico ele não tem porra nenhuma, a não ser o diploma
conseguido sabe-se lá como. Daí o time perde o melhor ponta esquerda da
região e fica por isso mesmo. Médico uma porra!”.
Se for qualquer tipo de doença que os exames laboratoriais não possam
localizar, o médico com certeza lhe dirá ou chamará alguém da família e
informará que é tudo psicológico. Não seria também a medicina
catastroficamente praticada um estado retroativo da ciência? O óbvio, a
sensatez, a investigação estão sendo deixados de lado. Foram
naturalmente substituídos por quem vê a lógica como uma deformidade
neurológica. O lado psicológico está dando novos rumos à ineficiência de
nossos médicos (nem todos, só 80%). É até engraçado diagnosticar uma
doença não detectada com outra. Como a medicina mudou e ficou fácil de
ser praticada depois de oficializado o politicamente correto. “Estado
psicológico”. Tudo é naturalmente psicológico. E assim vamos levando,
acho até que a grande maioria dos médicos acham que o juramento de
Hipócrates não passa de uma sandice. Ele (Hipócrates) deveria estar num
estágio evoluído de depressão quando escreveu aquilo. E os responsáveis
por tudo isso lavam as mãos. Por que pelo menos não age como a OAB que
só deixa o bacharel começar a profissão depois de conseguir a tão
sonhada carteira? Isto evita que muita gente despreparada exerça uma
profissão sem saber nada (nem sempre dá certo). É melhor do que deixar
que anualmente as faculdades lancem no mercado milhares de jovens sem a
mínima condição de exercer as ciências médicas. É isto que leva as
massas a se convencerem de que a maioria dos seres humanos sofre de
depressão, os que não concordam é porque estão num estágio evoluído
deste mal. A depressão é o meio mais fácil para justificar o que grande
parte dos médicos não consegue decifrar, algo que vá além do que foi
ensinado nos bancos das sucateadas universidades (nem todas). E a
indústria do “pavor a tudo” (fabricantes de antidepressivos) agradecem e
enriquecem com a “bestialidade médica”. Existem três tipos de médicos: o
“semideus”, aquele que enxerga o paciente como uma “coisa” que pode ou
não dar lucro. Tem o médico verdadeiro, aquele que vê o paciente como um
ser humano igual a ele e exerce a medicina como um sacerdócio, chegam a
dar bom dia, boa noite, o paciente até relaxa. Tem também o truculento
(ou cavalo batizado, como queira): já recebe o cidadão com cara fechada e
dando bronca, o paciente fica se achando o último dos últimos. Parece
até que não saber explicar o que está sentindo é um delito grave. Mas
enquanto os “semideuses” vão ganhando espaço com seus erros e acertos, a
causa psicológica vem se tornando cada vez mais natural. E aí morre
gente diariamente… Será que a morte também é um estado psicológico?
Nossos “médicos”, com raras exceções, já escolhem esta profissão
esperando dias melhores, não passam por nenhuma avaliação antes de
ingressarem no mercado de trabalho. O treinamento é feito nos pacientes
do SUS, isto é um absurdo. E ainda tem o agravante da ética médica, os
erros médicos só veem a público quando denunciados por familiares de
pacientes mais bem informados e raramente são apurados, pois a maioria é
questão “psicológica” dos parentes “deprimidos” pela perda de um ente
querido. E o finado provavelmente morreu por não acreditar que o que
tinha era psicológico. Ainda bem que inventaram o raio X, caso contrário
fratura só seria levada a sério se fosse exposta. Sorte nossa que os
odontólogos (dentistas) ainda não aderiram ao “estado psicológico”. Já
imaginou? Enquanto isso, nós continuamos nos lascando em mãos erradas.
Temos que ter a sorte de cair nas mãos de médicos que praticam a
verdadeira medicina. Coisa rara, muito rara. Mas Deus não iria nos
deixar tão desprotegidos, são raros, mas ainda existem aqueles que
podemos chamar de médicos.
E enterraram o pé esquerdo de João Carne Seca com chuteira e tudo
debaixo de um pé de jaca do campo das “sete casa”. Foi triste, até a
filarmônica tocou o hino da cidade no dia… Dona Cotinha, mãe do atleta,
uma santa que sempre se conformou com tudo, chegou a comentar com a
nora: “Pelo menos ele se livrou daquele calo seco”.
No sol escaldante, na chuva ou na lama com
sua cangalha,lá estava ele com meu pai transportando mandioca da roça para o
processamento, sacos de farinha, feijão e milho para as feiras da cidade de
Piritiba e o distrito de Andaraí. Eu ainda era menino e, mesmo assim, nós três
éramos colegas inseparáveis de trabalho. Poucas vezes reclamava do peso e do
cansaço, só era meio atrevido e, às vezes, fujão.
Nunca imaginava na
triste sina da sua raça, de que um dia seria abatido em frigoríficos da Bahia e
do Nordeste, e que seu escalpo e sua carne seriam vendidos para os chineses.
Sua pele é aproveitada para produção de um tal Ejiao, uma gelatina usada na
medicina e em cosméticos chineses, que movimentou o equivalente a 22 bilhões de
reais em 2018. A carne, de acordo com reportagem de Alexandre Guzanshe,
produzida pela WideAvenues em parceria com a Repórter Brasil (Joana Suarez), é
um subproduto consumido no norte da China.
“DESENVOLVIMENTISTA”
Triste sina do nosso
jumento, do jegue ou asno da espécie asinina, trazido para o Brasil pelos
portugueses há 500 anos, e que se adaptou muito bem no semiárido nordestino,
sendo o sustento e o braço forte do catingueiro e do sertanejo, principalmente
nos tempos mais difíceis das secas, bem antes do aparecimento do ronco dos
“gafanhotos motorizados” (as motos) que tomaram conta das cidades, das estradas
e veredas da zona rural.
Esse símbolo nordestino, que está em
extinção, é personagem histórica do Novo Testamento na travessia da Família
Sagrada pelo deserto da Palestina ao Egito, para salvar o menino Jesus de uma
perseguição. Aqui no Brasil, foi tema do filme “O Pagador de Promessa”,
premiado no Festival de Canes na década de 60. O “Zé do Burro” fez de tudo e
foi humilhado para pagar a sua promessa que fez à santa que salvou seu jumento
de um raio.
O nosso jegue de carga,
ou o nosso colega, morreu de velho, naturalmente, no pasto, mas não foi para o
abate como era o destino de muitos que pereceram cruelmente num frigorífico lá
em Senhor do Bonfim, na Bahia, há mais de 50 anos. Portanto, a prática da
matança não é de hoje.
Lembro que meu pai escorraçou um sujeito malvado
atravessador que queria levar o mano de trabalho para o escalpo macabro. “O meu
morre no pasto, seu cabra assassino de jumentos” – bradou o meu pai, com muita
raiva e revolta.“Isto é o fim do mundo”
O símbolo do trabalho
pesado no interior nordestino é “o maior desenvolvimentistas do sertão” – assim
cantou o rei do Baião, Luiz Gonzaga. Como narra a reportagem, financiada por
uma bolsa da The DonkeySanctuary, uma Ong britânica dedicada a promover o
bem-estar dos jumentos, eles são populares na região do sisal (Cansanção,
Euclides da Cunha, Serrinha e Valente). Foram eles os responsáveis por
transformar Valente em capital do sisal. Eles carregam a folhas até a máquina
de processamento, e dali até o varal onde os fios secam.
Estão também ajudando o
homem do campo na labuta de outras culturas de subsistência, como da mandioca,
do feijão, do milho e da mamona, O professor de veterinária da USP, Adroaldo
José Zanella está tentando implementar estratégias de bem-estar dos jegues. Ele
acha que um animal que está aqui há 500 anos não pode acabar em cinco.
UM ACORDO ESQUISITO E
OS ATRAVESSADORES
A China não atende sozinha a demanda de criar
10 milhões de jumentos por ano para o abate, por isso importa esses animais de
países da África e da América do Sul, principalmente o Brasil, num acordo
esquisito. Aqui não tem nenhuma estrutura para aumentar a produção, e o destino
do jegue é se acabar em pouco tempo.
Existe um “faroeste” na
cadeia de atravessadores de asininos no Nordeste para o mercado chinês,
conforme constatou a reportagem de Alexandre e da Repórter Brasil. Eles
percorreram quase três mil quilômetros no sudoeste da Bahia e só avistaram 15
jumentos. Milhares estão sendo submetidos a condições degradantes e abatidos
nos frigoríficos de Simões Filho (Cabra Forte), Amargosa (Frinordeste) e
Itapetinga (Frigorífico Regional Sudoeste).Devido aos maus tratos houve uma
liminar judicial proibindo o abate, mas retornaram às atividades.
O interesse dos
estrangeiros pelo negócio foi uma surpresa até para as autoridades brasileiras
numa viagem à Ásia em 2015. Os chineses querem um milhão de jumentos por ano.
Não existe uma contabilidade precisa, mas o IBGE estimou, em 2012,um
contingente de cerca de 900 mil animais, sendo 97% no Nordeste. Em julho de
2017, a Bahia começou a exportar carne e couro para a China, com a meta de
enviar 200 mil unidades por ano.
AleandreGuanshe conta
que parte da Fazenda Santa Isabel, em Euclides da Cunha foi arrendada pelos
chineses. Em pouco mais de um ano, mais de 100 mil jumentos foram mortosnos
três frigoríficos da Bahia, mas existem abatedouros em outros etados.A redução
drástica ocorre porque sua cadeia é extrativista. Além de não existir normas de
criação, não há fiscalização do transporte, nem contagem mais recente da sua
população.
A reportagem apontou seis atravessadores, como
o sertanejo que vende o animal solto ou do quintal por 20 e até 50 reais, ou
doa; o pequeno comerciante que junta um grupo de jegues para revende-los a
transportadores ou fazendeiros por até 100 reais a estrangeiros (na feira vale
até 300); transportadores que levam o
jumento até as fazendas baianas habilitadas (o abete se intensificou em 2017, e
muitas propriedades se cadastraram na Adab –Agência de Defesa Agropecuária da
Bahia); caminhoneiros que recebem em média 240 reais por animal abatido; e companhias
de logística do Vietnã e Hong Kong que compram a carga de frigoríficos por 300
e 400 reais cada animal. Segundo informações apuradas, as cargas chegam aos
portos asiáticos por contrabando.
ENTREPOSTOS
Essas fazendas funcionam como entrepostos para
animais trazidos de municípios baianos e de outros estados do Nordeste. Para
trafegar, o motorista precisa da Guia de Trânsito Animal (GTA). Na prática, a
maioria viaja sem a permissão, trafegando à noite através de desvios. Uma
dessas fazendas habilitadas é a de Herynaldo Marinho, em Teofilândia, que está
entre as 12 fornecedoras para o frigorífico Cabra Forte, em Simões Filho. Outra
é a fazenda Piedade que apenas abriga os animais, com documento forjado.
Na China uma peça de
pele de jumento é comprada por até quatro mil dólares (16 mil reais), enquanto
uma caixa de Ejiao custa entre 186 a 750 dólares. De acordo com cálculos
aproximados, o comércio de jumentos gerou em pouco mais de um ano uma receita
bruta em torno de 45 milhões de reais aos frigoríficos da Bahia (últimos
atravessadores brasileiros).
BRINDE E MAUS TRATOS
Para Sônia Martins Teodoro, representante da
Ong Animais de Itapetinga, os jumentos estão indo de brinde para os chineses
que importam do Brasil grandes quantidades de bovinos rendendo bilhões de
dólares. Segundo ela, o acordo foi um agrado do governo brasileiro para atrair
investimentos.
Itapetinga, na Bahia,
foi o município que mais protagonizou as cenas de maus tratos em 2018. Numa fazenda,
mais de 800 jegues viviam caídos ao solo, com fome e sede, e outros 200 foram
encontrados mortos. Houve manifestações contra as matanças, inclusive no Farol
da Barra, em Salvador. “Era uma coisa terrível, nunca vista aqui” – comentou na
época o delegado de Itapetinga, Irineu Andrade, que indiciou os responsáveis
por crimes de maus trato e poluição do rio. Dias depois, outra fazenda foi
interdita, e em Euclides da Cunha surgiram mais denúncias contra a fazenda
Santa Isabel.
Em novembro de 2018, a
Justiça da Bahia proibiu o abate, mas uma pressão empresarial derrubou a
liminar,e em setembro do ano passado os frigoríficos foram liberados a voltaram
às suas atividades. O Ministério da Agricultura mostrou-se contra a proibição
do abate, por se tratar de uma alternativa econômica. A Frente Nacional de
Defesa dos Jumentos vem se mobiliando para combater os maus tratos, e cuida de
200 animais sobreviventes para serem doados a reservas ecológicas.
Tava na cara que ia ser uma partida
de lascar, as duas cidades há muito vinham esperando este confronto. A seleção
de Ibicuí contra o Iguaí Futebol Clube, o time mais forte das redondezas! Já tinham
surrado até a seleção de Poções, um timaço! O jogo foi em Nova Canaã, que era
território neutro. O campo nunca esteve tão cheio, tinha mais de trezentas
pessoas, fora os meninos e as filhas do tenente Ló que assistiram o jogo dentro
da rural pra evitar falatório, as três estavam grávidas do mesmo safado. Como
ele não podia casar com as três, o tenente matou o safado, ficava mais fácil
para as meninas explicar que eram viúvas.
Celsão, que já
jogou até no Botafogo, foi emprestado por Belo Campo para a seleção de Ibicuí,
falou que ia marcar dez “gorro” pra cada namorada, três moças desmaiaram na
hora! Juca Pranchão, atacante do Iguaí, exibia a chuteira feita especialmente
para aquele jogo, tinha 32 birros em cada pé, todos travados com um prego!
Antes de começar o jogo, o vereador Heleno de Zinha fez um discurso, prometeu
um jogo de camisa e uma caixa da legítima Jurubeba Leão do Norte pro time
ganhador, cantou o hino nacional, e quando tentou recomeçar o discurso, o juiz,
que era da oposição, mandou ele ir fazer política “nos inferno” e começou a
partida. O primeiro tempo correu agitado, Teobaldo foi expulso por dar um soco
no bandeirinha e este foi substituído por João Açougueiro. Celsão tava num dia
de inspiração, já tinha feito três gols do meio do campo, e aquele campo era
bem maior que um campo oficial, um goleiro só via o outro se aproximasse a
vista, e só via a cabeça porque tinha uma ondulação no meio do campo. Juca
Pranchão não deixou por menos, além de esfolar a canela da zaga do Ibicuí,
empatou o jogo marcando os quatro do seu time, todos com aquela canhota que
todos já conheciam, quando caía na canhota de Juca o goleiro tremia. Era a
Canhota de Ouro de Iguaí, já tinha ganhado 6 pares de sapato motinha como
melhor jogador do ano e pelo visto ia ser eleito mais uma vez. Chico, um
comentarista de futebol aqui do planalto conquistense, que não ia com a cara de
Juca só porque o goleador era mais conhecido do que ele, disse uma frase que
até hoje não consegui decifrar o que ele quis falar com aquilo: “SE NOME
GANHASSE JOGO O DICIONÁRIO NÃO PERDIA UMA PARTIDA”. Sua noiva Deusinete,
presente em todos os jogos, era tida como o talismã do time, era só piscar o
olho pra Juca e jogar um beijo que a canhota comia solta, era gol certo! Também,
um rabão daquele deixava qualquer um inspirado.
No segundo tempo
foi que aconteceu a tragédia, aos 44 minutos, o jogo duríssimo, um placar de
16x16, Celsão meteu uma chapa na canela de Juca que além de rasgar o meião
deixou os birros desenhados, não ficou um fio de cabelo! Pênalti claríssimo
marcado pelo juiz Zé de Daza, que só marcou porque tinha tomado uma! A torcida
de Iguaí gritou em coro: “Deixa pra canhota de Juca Pranchão”. Ele atendeu ao
pedido e correu pra marca do pênalti com a bola debaixo do braço e tentando
localizar Deusinete, seu amor e amuleto da sorte! A torcida fez questão de
colocá-la de frente pra Juca. Quando o juiz autorizou, Juca correu pra bola e
deu uma paradinha, nesse exato momento Deusinete piscou o olho, jogou um beijo
e inovou o gesto com uma declaração aos berros: “Ai love você”. Ele bateu na
bola com tanta violência que derrubou o varal de roupa de dona Ana e saiu
carregando uma samba canção do tamanho de um lençol de
casal, foi cair no açude de João Bigode. O homem parecia que tava cego, a bola
passou tão longe do gol que quase mata um urubu em pleno voo. O vexame foi
total! Pra piorar, Juca partiu pra cima da noiva dando tapas, chutes e gritando:
“Ai love você um caralho”, enquanto a torcida incentivava: “mata essa vaca
agourenta no pau”, “corta a língua dessa égua metida a americana”.
Com Juca
expulso, Celsão em menos de um minuto fez mais dois gols do meio do campo e
definiu o placar para a seleção de Ibicuí. E Deusinte entrou em baixa, além de
perder o noivo, ficou encalhada, ninguém queria pegar a urucubaca. Tudo por
causa de um pênalti perdido! Hoje, Deusinete do pênalti, apelido que herdou
depois do ocorrido, mora em Conquista... Talvez seja até por isso que o futebol
conquistense nunca conseguiu ser campeão baiano.