AVENTURA INSÓLITA!
Ricardo De Benedictis
Encontrei meu querido amigo José Carlos Leto, sua esposa Teresa e amigos, na Festa do Divino e prometi que ia escrever algo sobre uma viagem que fizemos a Itamaraju, no início dos anos 1970.
Sempre venho vasculhando a memória, passados tantos anos de vida e estou, pouco a pouco, filtrando alguns fatos que podem ser contados com humor e saudade, ao mesmo tempo.
Eu havia conhecido a garota Pera na Festa do Divino e tivemos um namoro bem arrochado, para ser mais preciso.
À época eu já morava no Rio e passava uns dias em Poções, com meu irmão Ernesto.
Zé Carlos era um adolescente e eu deveria estar com 30 anos de idade, desquitado e com um filho pequeno.
Minha irmã Teresa havia nos convidado a ir morar com ela e estávamos apenas passando uns dias em Poções.
Depois da festa, dei um pulo em Iguaí e estive com os pais da minha namorada, ocasião em que, expliquei a minha situação, aceita pela mãe, mas nem tanto pelo pai da garota.
Nós tínhamos combinado ir para o Rio onde eu trabalhava na Revista Estados & Municípios – do meu cunhado, Ângelo Neto.
Quando pensei em ir buscar a namorada, recebi um aviso de que a família havia se mudado para Itamaraju, uma vez que o seu pai comprara uma fazenda naquelas bandas, depois de levar um grande prejuízo do seu sobrinho, do qual era avalista.
Fiquei perplexo e, ao mesmo tempo, indignado. Onde já se viu, irem embora sem nada me dizerem! Aquilo pra mim era um desafio e eu achei por bem de ir buscar a garota.
José Carlos, além de vizinho, era muito chegado e conversando disse que iria comigo nessa empreitada. Fomos atrás de alguém que nos levasse a Itamaraju e encontramos o Tenente da Marinha aposentado, Heráclito Brito, uma figura nacional, nosso amigo, que tinha uma Rural.
Preço acertado, na época não se conseguia gasolina com facilidade na região Sul da Bahia. Compramos duas latas de 20 lts. Lacradas e colocamos no fundo da Rural. Não existia a BR-101 que estava em vias de ser construída, com alguns trechos em obras. De Poções ao Ponto de Astério a estrada era péssima, mas Nova Canaã, Iguaí e Ibicuí, eram cidades onde tínhamos parentes e amigos.
Saímos, mas antes falei com meu irmão Ernesto para onde íamos e fui à casa de Nicola Leto, pai de José Carlos, pedir autorização para leva-lo comigo. Nicola riu e disse: - Olhe lá, rapaz, meu filho é menor. Veja bem onde você vai! E fomos!!!
Heráclito dirigia bem...devagar, devagarinho. E eu, agoniado com a distância enorme a percorrer ficava reclamando para que ele andasse mais rápido. E ele fazendo ouvido de mercador!
À noite passamos por Itabuna em direção ao Extremo Sul. E aí a coisa começou a ficar preta. Chuva, muita lama, vez por outra, desvios, erros e voltas e chegamos num lugar chamado Coréia! Até parecia que estávamos na Ásia!
E lá íamos nós, nhem, nhem, nhem, 30, 40 kms por hora e eu dizia aperta o pé, Heráclito! Ele retrucava: - Rapaz, meu carro é velho, se forçar, quebra. Calma que vamos chegar em Eunápolis, logo, logo...
Quando o dia amanheceu, passamos pela ponte do Rio Jequitinhonha e, quando estávamos próximos a Eunápolis a transmissão da Rural soltou e o carro parou. Daí, até chegarmos na oficina, já em Eunápolis, levamos umas duas horas. E já eram umas 10 horas da manhã do dia seguinte ao início da nossa aventura. Na oficina, o mecânico desmontou tudo e disse que só tinha peça em Itabuna.
Heráclito se apresentou como oficial de Marinha, da reserva remunerada e as portas se abriram para que alguém fosse buscar a tal peça, enquanto o mecânico lavava as engrenagens da Rural.
Desesperado, chamei Zé Carlos no canto e conversamos sobre o que fazer. O dinheiro estava acabando e eu tinha que chegar em Itamaraju. Ficou acertado que ele permaneceria com Heráclito, enquanto eu faria o resto do trajeto sozinho, isso se achasse uma carona. 15 minutos depois, na própria oficina nos apresentaram um rapaz que vendia e entregava biscoitos na região. Ele, solícito, combinou dar-me a carona até Itamaraju, mas avisando que iria parar por várias vezes, em Itabela e não sei onde e que chegaríamos em Itamaraju à tardinha.
Sem delongas, entrei na Kombi e ferro na boneca!
Quando o cidadão parava para entrega eu descia e o ajudava, pensando em ganhar tempo. Mas a lama era demais. Sobe e desce ladeira, chuva e lama, o certo é que chegamos em Itamaraju à noite, por volta das 19 horas. O motorista conhecia bem a área e logo, logo encontramos a casa da dona Juju, mãe da minha namorada. Quando eu desci da Kombi, parecia um escafandro. Roupas pesadas, lama da cabeça aos pés!
Cheguei arrasado, sujo, doido para tomar um banho e foi isso que aconteceu. Troquei de roupa, tomamos café com massa e ficamos conversando. A futura sogra estava nervosa e disse que o maridão ia chegar no dia seguinte e que era bom que eu (nós) já estivéssemos longe!
Nesse interim eu tomei coragem e contei o que nos tinha acontecido, e o pior: que eu estava sem dinheiro por ter gasto muito com os problemas do carro.
Ela me acalmou e disse que daria um jeito, no dia seguinte cedo, pois já passava das dez horas, a cidade sem energia elétrica, tudo escuro, à luz de velas e lampiões.
Dia seguinte, ela já havia providenciado um jeep para nos levar a Eunápolis e ainda me emprestou uma grana que desse para voltar para Poções. E eu lhe disse que pagaria depois, agradeci muito, peguei a namorada e zaz!!!
Ainda não era meio dia quando chegamos em Eunápolis (à época Km. 64) da BR-101.
Lá estavam José Carlos e Heráclito, ambos aflitos, sem saber o que me teria acontecido. Rural consertada, faltou dinheiro, mas Heráclito deixou uma carteira velha da Marinha empenhada e um relógio Ômega para pagar os serviços mecânicos. Na saída o mecânico ainda vacilou e ofereceu o relógio com o documento, mas Heráclito não aceitou o relógio.
– Não senhor. Fique com o relógio que eu volto pra pegar!
Se voltou, não sei!!!
A volta foi menos sofrida. Chegamos no Ponto de Astério ao anoitecer e lá pelas 7 horas da noite passamos por Ibicuí. De Ibicuí para Iguaí, numa descida a Rural desembestou ladeira abaixo e eu gritava: Engrena uma segunda, rapaz e Heráclito retrucava: - Você acha que vou quebrar o carro novamente? Até que aconteceu o abalroamento. A Rural saiu da estrada de lama e bateu numa lateral da pista, mais alta, e por aí ficamos.
Atrás de nós, vinha uma pessoa que parou e nos deu socorro para Iguaí. Heráclito ficou no carro. Eu, Zé Carlos e Pera fomos de carona para Iguaí, sem um tostão no bolso. Lá eu procurei Valdo Freire, que era amigo de meu pai e ele providenciou que um cidadão nos levasse para Poções. E nos disse: - Olhe, este amigo é irmão de Doca e você poderá fazer o pagamento do frete amanhã, ao irmão dele, uma vez que ele necessita voltar ainda hoje.
E assim chegamos ao destino.
Demorei muito para contar estes fatos pois precisava do aval de Zé Carlos. Na festa deste ano, ele me cobrou e agora estou acabando de escrever.
Os fatos são verdadeiros e o que aqui não foi dito é que, fruto desta união, eu tenho um filho querido que é Professor, Dr. em História, Danilo Patrick Mascarenhas De Benedictis.
José Carlos Leto é testemunha ocular desta história, um querido amigo, desde criança e de cuja família sempre tivemos laços muito fortes a celebrar. E o personagem Heráclito Brito, partiu antes do combinado e era um homem de brio, um cavaleiro, uma pessoa que temos sempre de exaltar e louvar, como aliás, são e foram os filhos da dona Dadá!
Zé Carlos me disse que ficaram a comer pão com sardinha até a minha chegada em Eunápolis.
Heráclito, velho marinheiro cansado de guerra, nunca disse nada a respeito.
E ainda tem uma visita ao brega que eu não me lembro. Acho que não participei da farra, mas lembro-me do gravador que ficara com Zé Carlos.