Nando da Costa Lima
É
natural: todos nós já fizemos um favor ou fomos favorecidos por alguém.
A nossa sociedade é uma cadeia de favores, e isso torna difícil a vida
dos que não têm nada para oferecer. Isto é natural em qualquer país, só
que aqui as coisas são mais acentuadas. Tanto é que se você não tiver
muito pra dar (materialmente), corra de favores, pois estes só irão lhe
atrapalhar.
O brasileiro (99,9%) é muito prestativo, desde quando haja
retribuição e essa retribuição seja de uma forma direta, ou seja, se
você faz um favor a alguém, este alguém só te retribui à altura. Não
adianta mandar ninguém receber pagamento de favor, se o fizer você perde
dois amigos, o pagador e o agraciado. O primeiro recebe mal, afinal ele
deve um favor é a você. O segundo se dá mal, pois é atendido da forma
mais descortês possível. E isso é natural para o brasileiro, tem gente
que até aceita. Imagina você precisar ser operado e o médico responsável
estiver pagando um favor ao patrão de um amigo do tio de sua ex-mulher?
Se for seu caso, escute um conselho de amigo e deixe essa operação pra
lá.
Mas o favor faz parte da cultura brasileira, tem até seu ponto
positivo: nós somos conhecidos como um dos povos mais hospitaleiros do
mundo, e a hospitalidade não deixa de ser uma forma de favor. Aqui no
Brasil a classe mais pobre é mais sincera quando se trata de “pagar
favor”, são os únicos que dividem o pouco que têm. Talvez já o fazem
pensando numa possível retribuição. A classe média usa o favor como
“status”, ela é prestativa desde quando seus préstimos sejam anunciados
pelos quatro quantos, pois ter fama de bonzinho pra nós daqui é
“status”. De rico eu não entendo muito, mas é uma classe interessante:
só faz favor a quem não precisa.
Eu tomei medo ao “favor de tabela” quando Zé Trincheira me narrou o
aperto que ele passou graças a estes favores. Ele chegou aqui com tudo
que é tipo de verme e o dente inchado. Foi direto para a casa do
padrinho, era o único que podia fazer alguma coisa por ele. O padrinho
despachou-o logo: “Deixa comigo, você primeiro vai ao Dr. Fulano que me
deve muitos favores, depois vai em tal dentista que também é gente
minha”. Zé já saiu mais aliviado. Foi primeiro ao doutor, e este não
perdeu tempo, não só deu um vermífugo como operou a vesícula e extraiu
um rim. Quando saiu do hospital já não havia mais dentes, só raízes.
Mesmo assim ele foi lá. O dentista, mais mal-humorado que delegado de
ressaca, além de extrair as raízes, arrancou metade da língua. Zé
Trincheira, revoltado com a situação, arrumou um advogado (também de
favor) pra processar o médico e o dentista. Pegou dois anos de cadeia
por abalar a moral de dois profissionais competentes. Zé me contou isso
num leito dum hospital, tava deprimidíssimo. Só estava esperando poder
andar. Assim que recebesse alta ele poderia dar fim a este sofrimento,
não tinha sentido nenhum fazer parte daquela sociedade maldita na qual o
favor só é feito a quem pode retribuir. Ia se suicidar deixando um
bilhete esculhambando os sacanas metidos a prestativos, e ia dar nome
aos bois pra que ninguém caísse na merda que ele caiu. E dessa vez
tomaria o cuidado de não pedir arma emprestada pra se matar. Empréstimo
não deixa de ser favor e, sendo assim, o revólver poderia falhar.
Felizmente o revólver falhou… E hoje Zé dá aulas de autoajuda
inspirado nos apertos que passou pela vida. Mas cobra a mensalidade, não
faz favor pra porra nenhum.