O encontro estava tenso. Os homens de bem da cidade estavam reunidos para discutir o que fazer caso os revoltosos passassem pela cidade. Era a terceira reunião dos coronéis em menos de 10 dias. Não se chegava a um acordo, não sabiam se iriam receber a Coluna como amigos ou inimigos. Tinham que arranjar um jeito de respeitar o governo, que eram contra aquela “marcha de gente sem o que fazer”. Mas também sabiam que se os revoltosos entrassem na cidade, iriam saquear e soltar os presos. Isso sem falar nas mulheres. Se eles tentassem, o jeito seria recebê-los à bala. Sò que os revoltosos eram um número bem maior, seria uma carnificina. E os coronéis do Planalto estavam bem armados.
As senhoras dos coronéis já tinham uma solução para o problema: elas haviam decidido que colocariam olheiros nos pontos mais altos da serra e nas principais entradas da cidade. Caso o vigilantes vissem ou ouvissem alguma coisa, desceriam e avisariam pros coronéis, que subiriam em comitiva e fora da cidade negociariam uma solução. Perguntariam aos chefes da Coluna quais eram as suas necessidades e se prontificariam a fornecer o que fosse necessário sem que houvesse hostilidade com o povo da cidade. Quando elas mandaram os maridos levarem essa ideia pra última reunião, todos concordaram. Deve ter sido Nossa Senhora das Vitórias que clareou. Os coronéis começaram a pôr o plano em ação de imediato: escolheram os rapazes mais fortes da cidade, os atletas da época, e os distribuíram nos pontos mais altos da serra. Cada um ficaria com uma montaria arriada, para não perderem tempo caso ocorresse alguma suspeita. Se acontecesse, a comitiva subiria para a serra, já estava tudo acertado entre os coronéis. Uns dariam dinheiro, outros gado, outros mantimentos. Fariam uma proposta bem chamativa, não queriam confusão, já que um bando de homens armados passando por dentro de uma cidade ordeira não ia terminar bem. O dono do bar exagerou um pouco quando disse que seria um massacre, mas ele tinha suas razões. Tinha uma família grande e bonita pensou até em mandá-los pro Simão, mas não adiantava: ninguém sabia por onde os revoltosos viriam. Ele estava tão preocupado que prometeu um barril de 50 litros de pinga e um saco da legítima Jurubeba Leão do Norte (nessa época era vendida em sacos de estopa, as 36 garrafas eram revestidas com palha). Aquela atitude causou admiração, Seu Duda não era de abrir a mão por nada, deve ter sido o medo de algum revoltoso se engraçar com Marivone. É nisso que dá casar com mulher bonita! Os coronéis escolheram Ivo pra ficar no Cruzeiro, era a passagem mais provável. Se os revoltosos viessem, com certeza seria por ali. Ivo era um atleta natural, praquela época um homem com 1,90m e forte se destacava em qualquer canto. Além disso, ele jogava futebol, praticava boxe, nadava… Era o homem certo. Daí o motivo de os coronéis o colocarem no ponto mais estratégico da Serra do Periperi. Ele era um grande corredor e tinha muita resistência. Quis até dispensar a montaria, mas os coronéis fizeram questão de deixar uma bom cavalo à disposição do olheiro atleta. Era uma questão de sobrevivência da
cidade, ninguém podia vacilar! As mulheres pediram aos coronéis para colocarem um jagunço no lugar de Ivo, ele era o único professor de educação física da cidade. Mas os coronéis sabiam que um jagunço não seria de total confiança, afinal, ele iria se encontrar com gente como ele, seria fácil ele se identificar com a Coluna. Tinha que ser Ivo, um jovem em que todos confiavam. Ele daria conta do recado. Dona Rosálio tava estranhando. Se a Coluna não tinha passado nem em Jequié nem em Poções, como é que estariam chegando aqui? Isso devia ser conversa fiada. Dona Turmalinda completou: “Pro lado do Verruga, também ninguém ouviu falar em revoltoso”. Ivo estava cochilando no ponto de vigília que lhe deixaram com um binóculo e uma montaria pra ele dar notícia de qualquer movimento suspeito… Mas o cochilo de Ivo tava pesado e ele deve ter sonhado com uma invasão dos revoltosos. Acordou com um grito agudo: “Te apruma, revoltoso”. Ivo nem olhou pra trás, nem se lembrou do cavalo, desceu a ladeira numa carreira alucinada. Por onde passava, arrebatava dois ou três curiosos. Quando chegou na casa do coronel que chefiava a comitiva, apontou pra serra e gritou: “Revoltosos!”. O coronel, mesmo desconfiado, escalou o resto da comitiva e subiu a serra a galope. Ivo já tinha cumprido seu papel, ficou sendo abanado e tomando garapa de cana pra recuperar. Já era um herói!
Quando os coronéis chegaram no local indicado pelo atleta, deram de cara com o tropeiro Dão Bilhete vindo com sua tropa de quarenta burros carregados de artigos oriundos da capital pra vender em Conquista na última feira antes do Natal. Os coronéis perguntaram pra ele se tinha visto algum movimento de revoltosos pelo caminho da capital pra cá. Ele relatou que a Coluna foi pro lado de Condeúba e Mortugaba, mas que agora já estava longe, e brincou: “O único rebelde que tem aqui é o meu burro, que batizei de Revoltoso”. Dão ainda contou que a Coluna pegou o povo de Condeúba de surpresa, mas em Mortugaba a coisa foi diferente, o pessoal já esperava e deu as caras. A briga foi feia.
A comitiva desceu a serra bem mais calma só de saber que a Coluna já estava longe. Fizeram uma reunião extraordinária na parte de cima da igreja e comunicaram à população que os revoltosos cortaram volta, passaram por Condeúba. Alguém devia ter falado pra eles que a coisa aqui era diferente…Tá pensando o quê?! Livraram a cara do atleta herói, nem contaram que a carreira que ele deu do Cruzeiro até o Centro foi por conta do tropeiro Dão Biilhete ter chamado o burro que lhe servia de montaria no grito: “Te apruma, Revoltoso!”…
Ivo fez uma compra vultosa na mão de Dão Bilhete, deixou até uma gorjeta gorda. Mas Seu Dão já tinha garantido que ninguém ia ficar sabendo da ocorrência no alto da Serra do Periperi. Até o nome do burro ele já tinha mudado pra Bentivi.