SABIÁ...
Nando da
Costa Lima
O sabiá não
se aguentava de cansaço, antes o perigo eram os alçapões e os badoques dos
meninos, agora é só sobrevoar um polo industrial que tá correndo risco de vida.
Tava tão exausto que nem cumprimentou o velho tamarindeiro que lhe servia de
pouso, mas este, com a paciência dos mais velhos, puxou conversa – Como vão as
coisas amigo Sabiá?
- Que coisas meu velho?
- O mundo como você sabe, eu, apesar de contribuir para que o
homem respire, não tenho asas como você para estar onde as coisas acontecem. Há
mais de um século estou nesse lugar, claro que vi muitas coisas, mas tudo que
pude observar durante toda minha vida você vê em dobro num simples voo. Aqui
agora nem vem ninguém passear na praça com medo de assalto, por falar nisso
amigo, é a profissão que mais tem gente. Será que tá tendo concurso pra
ladrão???
- Não, tem eleição. Mas voltando à situação do mundo, você
vai é agradecer por não ter asas. Parece que a miséria quer se apossar do mundo
e colocar a desgraça como secretária, a cada dia a terra perde um pouco de sua
vitalidade. Antes, quando eu estava voando só avistava o verde, hoje só se vê
fumaça e concreto, eu até acho que o objetivo do homem moderno é cimentar o
mundo.
- Mas sabiá, a coisa não deve estar tão ruim assim, eu mesmo
só estou vivo até hoje graças ao homem.
- Isso é porque você deu sorte em não ser madeira nobre e ter
nascido num jardim duma praça onde a cidade praticamente foi fundada. Se não
fosse isso, há muito tempo você já teria virado lenha ou madeira para móvel.
- Você está sendo injusto, o homem tá fazendo de tudo pra
manter o equilíbrio da natureza, disso depende a vida dele, e eu acho que eles
não são tão burros para darem um fim coletivo à vida. Acho-os inteligentes até
de sobra.
- Que inteligente que nada, os homens vivem perdidos em
problemas existenciais insolúveis, vivem procurando o sentido da vida sem antes
refletirem que sem vida não existe sentido algum, eles nunca irão entender que
viver já é um grande prêmio, são uns desorganizados.
- É sabiá, eu entendo sua revolta, a mocidade sempre foi
rebelde, com ou sem razão vocês estão sempre certos, só acho que você está
exagerando, no meu modo de ver o homem representa a inteligência. Nos meus
muitos anos de vida sempre imaginei o mundo como um gigante,o homem é o cérebro
desse gigante.
- Então o cérebro desse gigante está doente, ele está sendo
responsável pela morte do resto do corpo. Do jeito que vamos não tarda e isso
tudo vai virar um deserto, até a floresta amazônica já tá sentindo o baque.
- Se o mundo tá tão devastado e o homem tão ruim, como é que
até hoje os índios estão aí com tudo que têm direito?
- Disse bem meu velho, o índio tá tendo tudo que tem direito
do mundo civilizado: sarampo, catapora, varíola, e o garimpo, que é pior do que
qualquer doença. Os índios são como nós passarinhos, adoram a liberdade, mas
depois do convívio com a civilização, não conseguem sobreviver no seu habitat
natural. Somos raças em extinção, a cada dia nosso espaço se encurta. Nossas
esperanças diminuem a cada árvore derrubada.
Terminou de falar chorando
convulsivamente. O tamarindeiro se impressionou com o pessimismo do sabiá,
ficou tão comovido que até o convidou pra fixar moradia ali nos seus galhos. O
sabiá agradeceu, mas recusou à oferta, seu destino era correr o mundo. A velha
árvore vendo que não havia maneira de convencê-lo resolveu dar outro tipo de
ajuda ao amigo, conseguiu o endereço de um desses grupos ecológicos que viraram
partido político, na sua opinião os ecologistas seriam os únicos que poderiam
livrar o sabiá daquela crise. Entregou o endereço ao amigo e explicou que
naquele lugar ele só iria encontrar gente boa, pessoas inteiramente voltadas ao
bem estar de todas as espécies. O pássaro despediu-se da velha árvore e partiu
para o encontro, quando pousou na janela da sede dos amantes da natureza,
chamou a atenção de todos, o presidente pediu logo uma gaiola pra prender o
bicho e manter como mascote do partido, o tesoureiro achava melhor matar o
pássaro e empalhar, dinheiro tá muito difícil pra tá enchendo o papo de
passarinho, teve até quem sugerisse o passarinho desfiado no arroz. Aquilo foi
demais para ele, saiu dali decepcionado com a raça humana, foi direto pro
tamarindeiro, ficou vários dias por lá, não falava uma palavra, era o retrato
da tristeza. Um dia amanheceu morto debaixo do tamarindeiro, um dono da razão
que passava pelo local explicou para os curiosos que a ave morreu por falta de
ar puro. Mas a velha árvore sabia que
tudo aquilo era mentira, não passava de conversa de um ecologista com cara de
bode cheirando mijo, a verdade é que o sabiá suicidou-se, ele viu quando o amigo
ingeriu uma grande dose do agrotóxico esquecido pelo jardineiro num dos bancos
da praça, tava inconformado com a burrice humana. “E ele tinha razão, do jeito
que o homemvem se contradizendo, é bem capaz que alguns grupos de defesa à
ecologia sejam financiados por serrarias” – comentou o velho tamarindeiro.
A sábia sabiá sabia que o seu mundo
tinha acabado.